O canhão da Fundação

quarta-feira, 15 de março de 2017

O Colégio Nova Friburgo, conhecido como Fundação, foi considerado um estabelecimento de ensino referência em todo o Brasil por adotar a pedagogia dos melhores colégios ingleses e americanos. Funcionou no período de 1950 a 1977, mas a fase na qual realmente a sua metodologia era semelhante a tais colégios foi nos primeiros quinze anos de sua atividade. Estudavam nesse colégio nas primeiras décadas, majoritariamente, os filhos da elite de todo o país. Em suas instalações existe curiosamente um canhão, e baseado no relato de um ex-aluno, Carlos Geraldo de Barros Meyer, que estudou no período de 1952 a 1956, vamos contar como esse artefato do tempo do Brasil Colônia foi parar na Fundação.

No ano de 1953, chegavam ao Colégio Nova Friburgo alunos vindos de Cabo Frio. Dentro do caminhão, sob o olhar incrédulo dos alunos, um canhão retirado do Forte São Matheus, na cidade de Cabo Frio. Outras turmas haviam tentado trazer para Friburgo um dos canhões do Forte e foi a de Meyer que conseguiu.  Saíram do colégio numa madrugada de sexta-feira no mês de junho, vestidos de escoteiros, com facas, cantis fixados aos cintos e viajaram em um caminhão rumo a Cabo Frio. O responsável pela excursão era o Professor Guedes, que conduzia vinte garotos na faixa de doze anos de idade. Chegando ao seu destino, armaram uma barraca que acomodava a todos que tinha pertencido à Força Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial. O Professor Guedes fora um ex-combatente. Na parte interna da barraca inúmeros desenhos como uma cobra fumando, símbolo da FEB. Havia ainda escritas na parte interna da barraca mensagens, agradecimentos, orações e inúmeras medalhas de santos fixadas por alfinetes. Eram inscrições feitas por soldados brasileiros nos campos de batalha na Itália. A praia do Forte naquela ocasião era deserta, sem uma edificação em alvenaria, com apenas alguns casebres de pescadores e ancoradouros rústicos para as canoas de pesca. A água de poço era intragável, salobra, com um forte odor. Deu-se um enorme valor à água que trouxeram de Friburgo nos cantis, água que guardavam como ouro. Mergulharam, jogaram bola na praia virgem com vegetação original e formada principalmente por pitangueiras. No último dia do passeio, a conversa girou em torno do canhão e de que maneira os vinte garotos conseguiriam pegar tão pesada peça. O motorista do caminhão disse que poderia ajudar. Amarraria correntes no canhão, entraria com o caminhão na praia a uma distância segura e puxaria o canhão até a beira da praia.

Escolheram um canhão caído nas pedras do Forte, mais próximo à areia da praia. Após algumas tentativas frustradas, conseguiram rolar o canhão usando o cabo de uma enxada e uma alavanca. Tal expediente foi feito sem grande esforço e o canhão rolou até a praia. O ponto crítico era o colocar em cima da carroceria do caminhão. Amarraram uma corda na boca do canhão e o puxaram, fazendo um tipo de cabo de guerra, enquanto o professor, o motorista e os mais fortes levantavam o canhão pela boca pondo-o em posição vertical. Colocaram o canhão dentro do caminhão fazendo um tipo de alavanca. No dia seguinte retornaram a Nova Friburgo e chegando ao colégio, foram ovacionados pelos colegas diante de tal façanha. O professor Amauri, diretor do colégio, prometeu que o canhão seria colocado nos jardins do estabelecimento de ensino em um pedestal e com uma placa alusiva à façanha. O canhão foi colocado em um pedestal de granito, no centro de um jardim, que passou a ser conhecido como a Praça do Canhão. A velha artilharia do Brasil Colônia, possivelmente do século 16, encrustada em um bloco de granito e apontada para a cidade de Nova Friburgo, em um hipotético tiro faria uma trajetória balística que acertaria o Colégio Anchieta, rivais eternos dos alunos da Fundação. 

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    Em um hipotético tiro do canhão, sua bala faria uma trajetória que acertaria o Colégio Anchieta, rivais dos alunos da Fundação

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    A Fundação funcionou no período de 1950 a 1977

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    Estudavam na Fundação nas primeiras décadas, majoritariamente, os filhos da elite de todo o país

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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