Colunas
O caminho do trem
A Lei municipal de 4.017, de autoria do vereador Professor Pierre, foi promulgada em 2012, criando a Via Parque de Caminhada de Mury, conhecida comumente como Caminho do Trem. Conforme esse dispositivo legal, o tráfego prioritário no Caminho do Trem seria de pedestres, ciclistas e igualmente para cavalgadas e charretes. Automóveis e motocicletas poderiam trafegar desde que em baixa velocidade e caminhões em caso de necessidade, sendo proibida a circulação e o estacionamento de veículos pesados. Mater-se-ia a estrada de terra, à exceção de alguns trechos já previamente asfaltados. O poder público municipal estimularia caminhadas ao ar livre nessa via visando à prevenção e à cura de doenças, assim como a implantação de equipamentos para a contemplação da natureza, estímulo à sociabilidade e ao turismo. Igualmente providenciaria na Via Parque abrigos contra chuva, bicas de fontes naturais, mesas para piqueniques, bancos, pontes cênicas, mirantes e sinalética. Enfim, a Via Parque entraria no circuito turístico de Nova Friburgo. A Sociedade das Florestas do Brasil, sediada em Mury, seria um dos órgãos fiscalizadores.
É notório o problema da estrada de Mury, no quilômetro 78, da RJ-116, provocado pela fundação de uma construção, ao lado de um prédio do século 19, que redundou na elevação da estrada, causando desde então transtornos na circulação dessa via. Há mais de um ano vem-se tentando resolver o problema do desnível dessa estrada e não se sabe quando essa obra será concluída. Em busca de uma alternativa para o trânsito no quilômetro 78, entrada da cidade, a prefeitura sugeriu a utilização do Caminho do Trem. No entanto, objetiva algo muito pior: pavimentá-lo. Essa medida desvirtua totalmente o espírito da lei 4.017, criada para práticas esportivas e não para atender aos usuários de automóveis. A pavimentação além de ser ilegal destrói um patrimônio histórico que tem raízes profundas nessa cidade.
A linha férrea, além de ter facilitado o escoamento do café das fazendas em Cantagalo do barão de Nova Friburgo foi um divisor de águas na história de Friburgo. De seis dias passou-se a fazer em seis horas o trajeto entre a Corte e Nova Friburgo. A linha férrea deu um grande impulso econômico no turismo local com o “trem de passeio”, prestando-se a ferrovia não somente ao transporte de mercadorias, como igualmente de pessoas. O trecho subindo a serra foi inaugurado em 18 de dezembro de 1873, com a presença de D. Pedro II.
Se atitudes como essa forem levadas a efeito perderemos não somente um espaço de lazer como igualmente estaremos descaracterizando um patrimônio histórico: o Caminho do Trem. Na realidade, a solicitação de proteção desse trajeto pela Sociedade das Florestas do Brasil ao Professor Pierre decorre de uma prática já existente de passeios de pedestres e de ciclistas no Caminho do Trem. A paisagem é deslumbrante, ao lado corre o Rio Santo Antônio, há algumas residências de estilo germano, já que o bairro foi durante décadas habitado por imigrantes alemães. Os mais esportistas fazem toda a rota do Caminho do Trem a pé ou de bicicleta até Cachoeiras de Macacu. Ainda se acham pelo caminho vestígios do trem, a exemplo de dormentes. Fazendo o Caminho do Trem na altura do bairro de Mury me chamou a atenção uma tosca residência, muito simples, com a seguinte inscrição “Tapera da Boa Vista”. Boa Vista é o nome original da serra de Nova Friburgo e há mais de um século não se faz referência a esse nome. Isso significa que pelo tipo de construção, pela denominação “tapera” e pela referência à serra da Boavista esse imóvel pode datar de mais de cem anos. Já se passaram quatro anos desde a promulgação dessa lei. O Caminho do Trem, à exceção dos que já o utilizam, ainda não entrou na rotina do friburguense. Esperamos que o problema da estrada de Mury não atinja esse roteiro histórico, mormente quando nos aproximamos do bicentenário do município no qual o patrimônio histórico vem ganhando cada vez mais relevo.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário