O Barão de Nova Friburgo: um ilustre traficante de escravos - 25 de novembro.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Quando se reconhece na história do Brasil um indivíduo de grande fortuna, pode-se praticamente supor que fosse um traficante de escravos, em virtude dos imensos lucros que tais transações alcançavam. Quando foi oficialmente extinto, em 1850, o tráfico de escravos no Brasil, o volume de capitais empregados no tráfico era de tal monta que imediatamente surgiu o Código Comercial para regulamentar a febre de negócios provocada pela liberação de capitais até então aplicados exclusivamente na compra e venda de escravos.

Antônio Clemente Pinto (1795-1869), o Barão de Nova Friburgo, era um indivíduo apenas remediado quando veio de Portugal para Brasil em 1807, com 12 anos de idade. A origem de sua fortuna é mencionada por um cronista da época. Quando o barão suíço Von Tschudi visitou a região de Cantagalo, no século 19, ao se referir ao Barão de Nova Friburgo assim escreveu: (…) é o mais rico fazendeiro, não só do Distrito de Cantagalo, como de todo o Brasil (…). É português de nascimento (…) veio para o Brasil sem vintém (…) circulam muitas versões quanto à natureza de seus negócios e do modo por que chegou a ser possuidor de tão avultada riqueza (…). O novo-rico é em toda a parte do mundo objeto de inveja e maledicência (…). O que acontece em muitos casos, no Brasil, onde existe mesmo um provérbio bastante malicioso que diz, quem furtou pouco fica ladrão, quem furtou muito, fica barão”, o que bem ilustra o pensamento do povo...”

Há comprovação de que o Barão de Nova Friburgo tornou-se um homem próspero graças ao tráfico de escravos. Dedicou-se ao tráfico entre a África e o Rio de Janeiro no período de 1811 a 1830, fornecendo escravos para as lavouras emergentes de café. Obteve igualmente do governo imperial sesmarias, nos Sertões do Macacu, onde explorou minas de ouro, porém sem muito sucesso, e foi um dos primeiros a cultivar o café na região fluminense. Possuía em meados do século 19 quase duas dezenas de latifúndios em Cantagalo, considerada a região em que se aplicava o pior tratamento aos escravos no Brasil. Cantagalo ganhou fama entre as províncias brasileiras não só pela riqueza gerada por seus cafezais em meados do século 19, como pela crueldade com que tratavam os escravos, os fazendeiros da região. Não faltam relatos de viajantes descrevendo as sevícias dos fazendeiros daquela localidade em relação aos seus escravos. Entre eles se encontrava o Barão de Nova Friburgo.

Em Nova Friburgo, até hoje se tem o hábito de tecer preito ao Barão de Nova Friburgo, o “ilustre” traficante de escravos. As atas da Câmara de Nova Friburgo no século 19 não se cansam de louvar e fazer deferência aos Clementes Pintos pelos benefícios trazidos ao município. Mas pergunta-se: os Clementes Pintos procuravam beneficiar o município ou às suas propriedades? Ora, todas as doações que realizaram para o “aformoseamento” da atual Praça Getúlio Vargas visavam a tão somente beneficiar o seu rico solar que ficava em frente a esse logradouro público. E quanto ao desenvolvimento que a malha ferroviária trouxe a Nova Friburgo graças ao barão e seu filho Bernardo? Certamente o trem trouxe um grande impulso econômico a Nova Friburgo, mas objetivava-se precipuamente o escoamento da produção de café do barão de suas inúmeras fazendas em Cantagalo, barateando o seu custo. Mas o barão não foi o único a auxiliar o município. Cumpre destacar que no século 19, a receita da Câmara era tão exígua que muitas obras em estradas, pontes e estivas eram realizadas na base da subscrição, ou seja, doação dos fazendeiros locais para as respectivas melhorias na infraestrutura viária da então vila.

Finalmente, os áulicos do barão gostavam de tecer loas aos seus herdeiros por terem libertado seus escravos antes mesmo da abolição da escravidão. Em 1888, os herdeiros do Barão de Nova Friburgo, às vésperas da abolição, libertaram de forma oportunista 1.300 escravos. Certamente deveriam ter informações privilegiadas na Corte de que a escravidão seria extinta brevemente. Os Clementes Pintos eram próximos da família imperial que por mais de uma vez se hospedaram em suas propriedades. Sobre esse episódio, relata-se que os ex-escravos teriam ficado tão gratos com sua libertação que se recusaram a receber os salários da próxima colheita do café. Os herdeiros do barão receberam honras e títulos do imperador D. Pedro II por esse gesto. Na verdade, trata-se de uma estratégia que muitos fazendeiros utilizaram libertando seus escravos antecipadamente, já que o fim da escravidão era iminente. Com isso, angariavam a simpatia dos libertos que se mantinham nas fazendas ao invés de abandonarem-nas. Stanley Stein, em Grandeza e Decadência do Café, coloca essa discussão sobre a libertação antecipada entre os fazendeiros de Vassouras no sentido de evitar a evasão dos escravos quando fosse decretado o fim da escravidão. Por fim, gostaria de colocar que a figura do Barão de Nova Friburgo deve ser sempre destacada na história do município, mas na qualidade de um membro da elite de singular importância no progresso da região, já que ele foi o nosso “Mauá”. No entanto, cabe destacar que a origem de sua fortuna foi construída à custa do merchandise humaine, como diziam os suíços. É sempre bom lembrar que por trás daquela figura “benemérita”, cercada de títulos e honras, encontrava-se um “ilustre” traficante de escravos.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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