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Nova Friburgo: uma cidade cortesã
quinta-feira, 11 de julho de 2013
No final do século XIX, os veranistas permaneciam em Nova Friburgo durante seis prolongados meses, chegando à cidade em novembro e retornando ao Rio de Janeiro aproximadamente em maio. Mas por que permaneciam tanto tempo na cidade serrana? Esse fenômeno ocorria em função da febre amarela que grassava no verão, no Rio de Janeiro, exatamente no período mencionado. Quem tivesse condições abandonava a então capital federal se deslocando para as cidades serranas. Igualmente, alguns cariocas se mudavam para bairros como o de Santa Teresa. A vinda habitual destes veranistas ofereceu novas formas de convivência social à elite friburguense, que foi se desvinculando cada vez mais do modelo vigente que se limitava ao círculo familiar. Influenciados pelos cariocas, europeizaram suas práticas sociais e adotaram novas formas de sociabilidade. Os círculos sociais se ampliaram e as mulheres da elite, exibidas e coquettes, passaram a organizar soirées, frequentar o teatro D. Eugênia e promover diversos eventos sociais.
Na estação calmosa, a elite friburguense tornava-se cortesã dos fleumáticos veranistas, procurando tudo provir e agradar para que passassem momentos agradáveis e divertidos na pachorrenta Nova Friburgo. Mobilizavam-se para promover entretenimentos de forma que não houvesse lugar para o tédio. Os hotéis costumavam oferecer eventos para os seus hóspedes promovendo em seus salões divertimentos como duetos, cançonetas, representação de comédias e de poesias. Numa festa artística ocorrida, no Hotel Engert, foram recitadas poesias de Bocage, Castro Alves e Antônio Felix. O clou da estação eram as soirées, os espetáculos no Teatro D. Eugênia, além das representações teatrais promovidas pelos próprios veranistas. Nos passeios campestres, passavam de um para outro lado no centro da cidade, com passo preguiçoso, tílburis lotados de veranistas tirados a parelhas robustas. Os rapazes de bom-tom envergavam as fatiotas domingueiras, flor predileta à lapela, cigarretes à la maromba e bengalinha entre os dedos. As competições no velódromo e a tão esperada batalha das flores eram ainda alguns dos eventos programados para afugentar a bonomia da cidade.
Na França, as soirées eram um momento privilegiado para a música e o teatro de amadores, mormente nas cidades pequenas, onde as diversões culturais eram limitadas e as pessoas viam-se obrigadas a buscar em si mesmas as fontes de entretenimento. O teatro amador fazia parte do modo de vida privado e um entretenimento muito comum era encenar comédias de sociedade. Elas eram das mais variadas durações, desde a breve bufonaria que se representava em família ou com alguns amigos, até a longa comédia para ser representada em um teatro. Há registros de veranistas cariocas que, imitando este modelo francês, promoviam representações teatrais em Nova Friburgo.
Sob a denominação de "festivais artísticos”, os veranistas organizavam representações teatrais que tinham lugar no teatro D. Eugênia, onde os amadores distribuíam os papéis de acordo com a habilidade artística e o perfil de cada um. Casais, filhos, sobrinhos, primos, enfim toda uma rede familiar e de amizades participava das representações de dramas e comédias, além da parte musical. Nos papéis distribuídos entre os amadores, alguns atuavam como atores, outros como músicos. Nas representações, as peças estrangeiras eram executadas em francês, idioma no qual o "seleto público” encontrava-se familiarizado. Nos intervalos das representações, refrescantes sorvetes, doces e champanhe.
O amadorismo também se fazia presente nos saraus dançantes, onde os convidados se revezavam no piano enquanto outros dançavam. Esta era uma forma de sociabilidade típica da elite friburguense. Conjugavam o amadorismo com apresentações de músicos profissionais especialmente contratados. Nestas ocasiões, dançavam-se, preferencialmente, polcas e contradanças, sendo que esta última foi rebatizada, posteriormente, na França, com o nome de quadrilha. A diferença de hoje é que os friburguenses no passado se preparavam para receber os veranistas. Essa chusma de turistas estimulava a economia local: os hotéis ficavam com lotação completa, muitas residências eram alugadas por temporada, o comércio e os prestadores de serviço igualmente se beneficiavam desse trânsito de veranistas. Uma cidade cortesã: os friburguenses eram áulicos, afáveis, corteses, aduladores e bajuladores dos veranistas, notadamente dos cariocas, e isso a tornou um dos municípios mais agradáveis e visitados da velha província do Rio de Janeiro.
(Trecho extraído do livro "O Cotidiano de Nova Friburgo no final do século XIX”)
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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