Nova Friburgo perdeu o trem da história

quarta-feira, 05 de novembro de 2014

Há alguns meses fui à Suíça a trabalho para fazer um documentário sobre o Cantão de Fribourg, para a Luau TV. Uma das coisas que mais me impressionaram foi a tradição da poya e do desalpes. Resumidamente, a poya é a subida às montanhas, nos pré-alpes suíços, do gado leiteiro, para pastar em suas gramíneas floridas. Essa floração na grama dá todo um diferencial ao leite, imprimindo maior qualidade ao queijo e igualmente aos chocolates suíços. Essa transumância de subida aos pré-alpes ocorre no início da primavera e o gado fica até o fim verão. Já no inverno, ocorre o desalpes, ou seja, a descida do gado leiteiro já que nessa estação os campos ficam cobertos de neve. Nessa ocasião, ocorre a festa do desalpes, celebrando o fim do período da fabricação dos queijos alpinos, os denominados fromages d’alpage. O governo suíço paga um dos maiores subsídios no mundo para manter essa tradição. O processo de fabricação dos queijos, notadamente o gruyères, possui um processo industrial que não necessita seguir os rigores dessa tradição. No entanto, o governo suíço faz questão de preservar esse savoir faire que remonta há séculos nessa região. Mas onde desejo chegar é na Queijaria-Escola de Nova Friburgo. Em 1977 veio um grupo de suíços a Nova Friburgo, resultando dessa visita a criação do Instituto Fribourg-Nova Friburgo objetivando promover o intercâmbio entre as duas cidades, Fribourg e Nova Friburgo. Uma de suas ações resultou na Queijaria-Escola, inaugurada em agosto de 1987. O Instituto enviou queijeiros para dar formação profissional em um modelo similar ao da Suíça. Nesse país, para se tornar um mestre queijeiro é necessário frequentar durante três anos a escola técnica. O projeto inicial era de que a queijaria produzisse vários tipos de queijo de vaca e de cabra. 

A Queijaria-Escola não vingou e terminou por ser arrendada para a iniciativa privada, que adquiriu o direito de utilização da marca "Frialp” e o savoir-faire de determinados tipos de queijo. Lamento muito que Nova Friburgo tenha perdido a oportunidade de se transformar na única escola de formação de queijeiros do país. Desconheço que existam escolas no Brasil que teriam o padrão que tal instituto ofereceria. O fracasso no estabelecimento dessa escola de formação de queijeiro se deve à inércia dos órgãos municipal, estadual e federal. Mas no Brasil já estamos habituados a velha prática de que quando determinados políticos não veem ganhos pessoais em determinados projetos a coisa não vinga. O espírito público não existe. Como Nova Friburgo se beneficiaria com a escola de formação de queijeiros, notadamente quando possui uma representação ligada à colonização suíça! A escola não foi adiante por questões estruturais que necessitariam dos órgãos públicos, já que o instituto é incapaz de dar conta da gestão de tal empreendimento. Se formos considerar o processo histórico, a situação é mais crítica. Outrora, a Região Norte-fluminense, grande produtora de café, migrou sua atividade econômica para a pecuária de gado leiteiro. Isso ocorreu em razão de dois fatores: esgotamento das terras, que durante décadas se destinaram ao plantio do café, e carência de recursos humanos. Como a criação de gado não necessita de muita mão de obra, a maior parte dos fazendeiros migrou para a produção de leite. Logo, Nova Friburgo está próxima de um centro produtor da matéria-prima que tal empreendimento demanda: o leite. 

Entendo que a Queijaria-Escola colocaria Nova Friburgo como uma das maiores expressões gastronômicas do Brasil, pois ter a Suíça como parceira, um dos países mais exponenciais e representativos no comércio mundial de queijo, daria uma grande projeção ao município. É inimaginável que estejamos perdendo tal oportunidade. Não há espírito público. Como disse antes, onde não há ganhos pessoais por parte da classe política nada segue adiante. O caso da Queijaria-Escola é um daqueles "cases” que os marqueteiros adoram discutir e analisar em cursos de especialização ou de mestrado em administração. Por que parou, parou por que? Nova Friburgo perdeu o trem da história. 


Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de

diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”


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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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