Colunas
Nouvelle Fribourg
quinta-feira, 09 de janeiro de 2014
A história de Nova Friburgo tem características que tornam interessante o processo de sua formação social. O município surge desmembrado da Magna Cantagalo para dar início a um "burgo”, a Nouvelle Fribourg, e instalar os colonos suíços, em sua maioria originários do Cantão de Fribourg, daí a origem de nome, Nova Friburgo. Normalmente uma localidade recebia o status de vila após a formação de um núcleo populacional e econômico que justificasse tal ereção. Passava-se pelo processo de capela, curato, freguesia, para finalmente se tornar uma vila, por concessão de El Rey. Mas Nova Friburgo precisava ser formada e pular as etapas desse rito de passagem para dar origem a uma estrutura administrativa, através da Câmara Municipal, que viabilizasse a administração colonial. Os colonos suíços estavam sob a proteção de Sua Alteza, o Rei D. João VI.
Já havia muitos fazendeiros luso-brasileiros na região e a colônia de suíços, nos parece, foi bem-vinda. Deram pelouros de justiça à região através dos juízes ordinários que compunham a Câmara Municipal e os colonos trouxeram capital, já que recebiam subsídios da Coroa Portuguesa nos primeiros anos de sua instalação para aquisição de alimentos. Esses fazendeiros luso-brasileiros iriam comercializar os seus produtos agrícolas, vendendo-os aos suíços. Havia feira na vila, todos os dias, desde a chegada dos colonos suíços.
A matéria de hoje objetiva mostrar as impressões do colono Jacques Martin Péclat, que escreve uma carta ao seu irmão que reside na Suíça, em maio de 1820, poucos meses depois de sua chegada à fazenda do Morro Queimado, na recém-fundada Nova Friburgo. Péclat está muito otimista pois teve sorte no sorteio dos lotes: sua data terra se localiza a uma légua de distância da vila, enquanto alguns de seus compatriotas receberam lotes a oito léguas. Parecia ser um dos melhores marceneiros, e em razão disso, tinha boa freguesia e ganhava um bom dinheiro: "Recebo do Rei dez luíses por mês. Mas o meu ofício me rende muito mais. Não há por aqui quem possua banca igual a minha”, escreveu ao irmão.
O governo português construíra residências geminadas em duas áreas da vila para alojar as famílias colonas. Desde a chegada dos suíços, os fazendeiros da região iam vender os produtos de sua lavoura aos mesmos, já que estes recebiam subsídios e não tinham sequer uma horta para se prover com produtos básicos. De acordo com o relato de Péclat, parecem ter sido muito explorados pelos luso-brasileiros. Tudo lhes era vendido muito caro, a começar pelo vinho. Os fazendeiros vendiam aos suíços além do vinho, pão branco, pão de milho, hortaliças e legumes como couve, feijão, vagem e abóbora; frutas como banana, laranja, figo, pêssego, entre outras. Vendiam ainda trigo "grosso”, café, chá, açúcar "fino”, açúcar em "barras” (provavelmente se refere à rapadura); laticínios como queijo e manteiga e carne de vaca e de porco. No entanto, apesar de se sentirem explorados pelos luso-brasileiros na aquisição de gêneros alimentícios, Péclat não se queixa dos portugueses em sua correspondência. Quando os suíços passeavam por suas fazendas, os luso-brasileiros, hospitaleiros, davam-lhes algo para comer e beber, sem nada cobrarem, e os colonos retribuíam com café e chá sempre que os luso-brasileiros vinham à vila. Nos primeiros anos, a convivência parece ter sido pacífica.
Dos animais da região, Péclat observa havia que muitas onças, macacos, porcos do mato e, naturalmente, cobras. Alguns passaram a domesticar macaquinhos como se criam gatos na Suíça. Um habitante de Nova Friburgo, em princípios do século XIX, poderia considerar-se um friburguense como um cidadão atual? Provavelmente não. Mesmo depois da independência do Brasil, o sentimento de nacionalidade brasileira não existirá entre os nativos até fins daquele século. A mentalidade de ser friburguense ainda teria que aguardar duas gerações de nascidos naquelas paragens. Todos eram estrangeiros naquela cidade, mesmo os luso-brasileiros que já habitavam a região anteriormente. Nova Friburgo foi durante meio século uma ficção no campo das mentalidades e o sentimento de ser friburguense teria que aguardar duas a três gerações de nascidos no local para criar esse espírito de municipalidade. Era inicialmente uma cidade bilíngue, onde o português e o francês eram os idiomas correntes. Depois trilíngue, com a chegada dos alemães, em 1824. Se acrescentarmos os diversos dialetos de escravos africanos, periodicamente chegando à vila em libambos para abastecer as fazendas de café da região, o município se matiza ainda mais. Podemos imaginar como era interessante e instigante a Nouvelle Fribourg, essa babel de línguas e culturas, nos primeiros decênios de sua história.
Visite historiadefriburgo.blogspot.com
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário