Memória das indústrias friburguenses – A Fábrica Ypu (Parte 4)

quinta-feira, 03 de maio de 2018

Na terceira geração, o declínio

A industrialização brasileira é tardia. Somente em 1945, a indústria nacional irá superar a agropecuária como a principal atividade da economia. O meio urbano até a década de 1920, concentrava apenas 20% da população brasileira. Os setores agrários acusavam a indústria de desviar braços do campo para as suas atividades. Em Nova Friburgo ocorreu o esvaziamento do distrito agrícola de Amparo para o centro da cidade, pois uma nova geração queria trabalhar nas indústrias.

O debate era dividido entre duas correntes, uma que defendia a vocação agrícola de Nova Friburgo e a outra que se posicionava a favor da industrialização. Galiano Emílio das Neves Júnior, conhecido como coronel Chonchon, defendia a primeira vocação e Galdino do Valle Filho, a segunda. Mudaram as relações de trabalho. A Consolidação das Leis Trabalhistas, firmada em 1943, e a criação da Justiça do Trabalho para dirimir conflitos, revolucionou as relações entre patrões e empregados.

A nova legislação trabalhista onerou a atividade industrial reduzindo a acumulação nesse setor, mas a Fábrica Ypu cresceu nesse contexto. Na década de 1960, Harold Anton Pockstaller começou a disputar espaço na administração da Fábrica Ypu. Mas a presença do decano Emil Cleff sempre foi um obstáculo às suas pretensões. Porém, o falecimento de Cleff em 1968, abriu caminho ao neto de Maximilian Falck, fundador da empresa. Mas a administração de Harold Pockstaller levou a fábrica a uma grave crise financeira. Na realidade, a crise foi em todas as indústrias de Nova Friburgo e possivelmente está relacionada com o contexto econômico do país naquele período.

O fato é que entre os funcionários da fábrica corria a seguinte frase, “O avô fundou, o neto afundou”. Transcorridos aproximadamente 15 anos de sua gestão, a fábrica entrou em processo de falência. Mais de uma centena de funcionários foram demitidos. Willian Khoury, do grupo Sayonara, assumiu o controle acionário da fábrica. Mesmo estando a empresa em crise e com muitas dívidas, Khoury investiu na renovação do maquinário. Mas o gigante agonizava. Os tempos eram outros. Os produtos químicos que por décadas as indústrias despejavam nos rios da cidade passaram a ser alvo de fiscalização por parte de órgãos de proteção ambiental. A Companhia Estadual de Controle Ambiental exigiu da empresa um projeto no setor de tinturaria para evitar a poluição dos rios e igualmente a construção de uma estação de tratamento.

Nessa altura, era impossível para a Fábrica Ypu se adequar às leis ambientais e notadamente as trabalhistas como pagamento de décimo terceiro salário, carteira assinada, salubridade e benefícios assistenciais. A Ypu empregava menores sem assinar carteira, atrasava os salários, não recolhia o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e também não contribuía com o INSS. O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem de Nova Friburgo não deu trégua.

Como a fábrica não teve como se manter com tantas dívidas trabalhistas e fiscais seu prédio foi leiloado pela justiça. A Prefeitura Municipal de Nova Friburgo arrematou o imóvel que passou a ser de sua propriedade.

Quem melhor explica a época de ouro da Fábrica Ypu é o antigo operário Zei Marques da Silva que escreveu uma carta ao jornal A VOZ DA SERRA, publicada em 15 de março de 2006:  “Admitido na Fábrica Ypu em 10 de maio de 1950, na função de aprendiz de mecânico, iniciei minha trajetória profissional. (...) Porque meu segundo lar? Ali eu vivia a maior parte do dia, se isso não bastasse, também ali trabalhavam meu pai, meus irmãos, sobrinhos, cunhada, primos, vizinhos, amigos dos meus pais e meus amigos. Todos eram parentes ou amigos, realmente um segundo lar para todos nós. Permaneci na Fábrica Ypu 44 anos(...) se não fossem suficientes os 44 anos dentro da fábrica em horário de trabalho, ao sair corria para a Recreativa Ypu, que era ligada à fábrica, para praticar vôlei, basquete e futebol Society. Não só nos dias de semana, mas também aos domingos. Em época de festa junina, todas as noites ensaiávamos quadrilha. No fim de semana, eram cinema e bailes na fábrica. (...) Pela grandeza que foi a Fábrica Ypu, pelo muito que colaborou com os seus empregados, porque muitos como eu, através da fábrica, conseguiram construir uma casa e formar uma família. Por tudo que a fábrica fez pela cidade de Nova Friburgo, gerando empregos e elevando o nome da cidade, eu gostaria de ver contadas não somente estas simples linhas, mas uma verdadeira história contada por um historiador sobre a Fábrica Ypu. Realmente ali era o meu segundo lar, ou melhor, nossos segundos lares, porque tenho a certeza de que muitos que ali trabalhavam pensam como eu. Quem não se lembra dos famosos bailes orquestrados que a fábrica nos proporcionava nos fins de semana, das feijoadas de 1º de maio, das distribuições de brinquedos nas festas natalinas, os jantares de fim de ano quando eram homenageados todos os funcionários que completavam 25 e 50 anos de fábrica e as domingueiras depois de um farto almoço servido na Recreativa? (...) Saudades ainda tenho daqueles tempos de felicidade que vivíamos juntos. Hoje podemos dizer, com toda certeza, que nós não estávamos em um local de trabalho, mas, sim, em nosso segundo lar, ou melhor, no prolongamento do nosso lar.” Curiosamente, mesmo penhorada, alguns funcionários permaneceram na fábrica produzindo tecidos bordados. Já não necessitam mais da orientação dos técnicos alemães para operarem as velhas máquinas que são quase como membros de seus corpos”.

  • Foto da galeria

    Executivos e funcionários da Fábrica Ypu

  • Foto da galeria

    Setor de produção da Fábrica Ypu

  • Foto da galeria

    O meio urbano até a década de 1920, concentrava apenas 20% da população brasileira

TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.