Colunas
Marly Pinel e suas memórias
Nova Friburgo, década de 50 do século XX. Marly Pinel e algumas amigas se encontravam em frente ao então restrito e exclusivo clube da elite local, o Clube dos 50. Observavam a entrada de um baile de gala. Ficou admirada com o desfile de mulheres elegantes, todas trajadas com vestidos longos, adornadas de peles e joias, ao lado de seus não menos elegantes maridos. Num arroubo de emoção disse a si mesma: “Eu vou ser feliz e vou pertencer a esta sociedade”. Marly passou toda a sua infância e juventude no bairro de Conselheiro Paulino. Naquela época, em meados do século XX, a cidade de Friburgo era extremamente gregária. Quem morava em determinado bairro, a exemplo de Conselheiro Paulino, tinha toda a sua existência vivida naquele bairro, mal se deslocando para o centro da cidade ou outros locais. O serviço de transporte de ônibus não existia e os horários do trem não permitiam muita circulação pela cidade. Logo, se fazia tudo no bairro em que se nascia. Era no próprio bairro que estudavam, tinham seus lazeres, amizades e geralmente se casavam com as pessoas do próprio local. E como era a vida social nesses bairros? Diferentemente de hoje, as pessoas tinham o seu lazer apenas aos domingos, pois no sábado todo mundo trabalhava. Logo cedo, ia-se à missa e à noite promovia-se um baile na casa de amigas, regada a refrigerantes, iniciando às 19h e terminando, impreterivelmente, às 21h. Fazia-se ainda pic-nic na Cascata Pinel ou na Represa, no véu da noiva. Apesar do serviço de transporte público praticamente não existir, graças à família Spinelli, Friburgo teve um campo de pouso para aviões bimotores, localizado onde hoje se encontra o batalhão da Polícia Militar. Mas o que isto tem a ver com Marly Pinel? Simplesmente porque Marly teve um noivo gaúcho, piloto de avião, que, saído do Rio de Janeiro em um desses bimotores, aterrisava nesse campo de pouso, antes fazendo algumas piruetas sobre Conselheiro Paulino, jogando pétalas de flores e papel picado para ela. Vinha quase todo mês e Marly ‘passeava’ com seu noivo voando sobre a cidade. No entanto, o noivado teve um fim e Marly alcançou outros voos.
Iniciou sua coluna no Jornal de Friburgo, denominada Marly e a Sociedade. Marly cumpria a promessa que fizera a si mesma. Ingressou na high society, frequentando as festas da elite friburguense. Mas quem era a elite da época? Marly nos informa que eram os Guinle, os Spinelli, Miele, Mastrângelo, os Sertã, os Ruiz, os Braune e os Souza Cardoso. Outra coisa que à época dava status era ser ‘mulher de médico’, recorda-se Marly. Na sessão das 20h do cinema Eldorado, as pessoas se vestiam como se fossem a um baile, de forma muito elegante. Era um lugar para ver e ser visto. Frequentavam ainda a Sorteveria Única. Diferentemente de hoje, onde normalmente se oferece um jantar, a elite friburguense recebia para um chá, uma maneira elegante de receber entre as senhoras da sociedade. O que era deselegante naquela época? De acordo com Marly, as mulheres tomarem bebida alcoólica e fumarem.
Marly se encantou pela elite friburguense quando a conheceu na sua juventude. Era uma sociedade fechada e tradicional, onde um nome de família fazia a diferença. Mas, paradoxalmente, Marly prefere a sociedade atual. Não obstante não possuir o glamour que a encantara tanto, por ser mais despojada, é “mais democrática e generosa”, pois já não se curva sob o peso dos sobrenomes. Marly na juventude foi eleita a rainha da lavoura e na sua maturidade, a rainha da noite em Nova Friburgo. As festas e eventos só ganham vida quando Marly chega, declaram os amigos. Quem foi rainha não perde sua majestade.
Janaína Botelho é autora do livro O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX. Para ler as matérias anteriores acesse historiadefriburgo.blogspot.com

Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário