Mão de luva abre caminho nos sertões do Macacu

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Parte I
João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, barão e visconde de Sinimbu (1810-1906), nasceu em São Miguel dos Campos, Alagoas, em 1810. Bacharel em direito, estudou em Paris e na Alemanha a fim de aperfeiçoar os seus estudos, concluindo o doutorado. Aos trinta anos de idade foi nomeado presidente da sua província natal, além de ter sido presidente das províncias de Sergipe, Rio Grande do Sul e Bahia. Ocupou importantes cargos públicos, iniciado pela magistratura e atingindo a diplomacia: de juiz de direito em Cantagalo a primeiro-ministro do Brasil. Sinimbu era da corrente política Liberal que se contrapunha à ala Conservadora, e no combate ao tráfico negreiro, em um de seus governos, determinou a prisão do brigue-escuna norte-americano “Mary E. Smith”. Cansanção de Sinimbu era contrário à escravidão, que segundo ele “degradava” a imagem do país aos olhos da civilização. Apesar de ter ocupado diversas funções executivas públicas, inclusive como deputado e senador, morreu quase centenário, em extrema pobreza. Entre as suas obras sobre a imigração estrangeira, do qual foi verdadeiro arauto, como “Orçamento do Ministério dos Estrangeiros” e “Relatório dos Negócios Estrangeiros”, a que vamos nos debruçar será “Notícias das colônias agrícolas suíça e alemã, fundadas na freguesia de São João Batista de Nova Friburgo”. Essa obra nos mergulha na Nova Friburgo de meados do século XIX, trinta anos após a sua fundação e pouco mais de meio século da ocupação dos sertões do Macacu, hoje Centro-Norte fluminense. Sinimbu foi juiz de direito no termo de Nova Friburgo no período de 1850 a 1852, e concluiu o relatório sobre a colonização suíça e alemã, em 1851. Será baseado nessa preciosa fonte, sob a perspectiva desse juiz, que apresentaremos a situação desses colonos no núcleo colonial de Nova Friburgo em meados do século XIX, uma das primeiras experiências com colonos europeus para introdução do trabalho livre e consequente substituição da mão de obra escrava no Brasil.
A colônia de Nova Friburgo foi estabelecida no distrito de Cantagalo, região que pertencera a Santo Antônio de Sá. Cantagalo iniciou sua ocupação em fins do século XVIII devido ao célebre contrabandista de ouro da província de Minas Gerais, conhecido por “Mão de Luva”. O contrabandista era assim chamado porque tendo perdido uma das mãos, trazia em lugar dela uma luva cheia de algodão. Em razão de viver em conflito constante com as autoridades de Minas Gerais, devido aos seus trabalhos de mineração, e movido pelo desejo de descobrir minas auríferas, abandonou aquela província rumo a terras incultas e desconhecidas. Fugitivo e perseguido, Mão de Luva, guiado pelo conhecimento prático que tinha de terrenos auríferos, instalou-se às margens do rio Paraíba, onde hoje é o município de Cantagalo, lugar escolhido para dar início às suas explorações. Viveu por algum tempo desconhecido e ignorado juntamente com o bando que o tinha acompanhado. Amealhando uma grande fortuna em ouro, abriu caminho pelos sertões rumo ao Rio de Janeiro para negociar sua preciosa mercadoria. Não tardou muito que a descoberta dessas minas, até então desconhecidas, e a riqueza do contrabandista, chegasse aos ouvidos das autoridades. Ao descobrir a localização dos contrabandistas, as autoridades portuguesas enviaram forças em sua perseguição. Porém, depois de perdidas as esperanças de encontrar o esconderijo do bando, e estando os soldados prestes a retornarem, desistindo da empreitada, ouviram o canto de um galo. Dessa feita, deduziram por aquele canto que ali deveria haver um povoado e consequentemente o pouso do bando. Logo, Mão de Luva deve a fatalidade de seu destino ao canto de um galo e daí a localidade ter o nome de Cantagalo. Mão de Luva foi ainda capturado devido à traição de um de seus companheiros que, em comum acordo com a escolta que os espreitava, derramou, durante a noite, a pólvora da escorva das espingardas, inviabilizando a sua resistência e a de seu bando. Conduzido para o Rio de Janeiro, Mão de Luva foi desterrado para o Rio Grande do Sul onde morreu cerca de 25 anos depois. 
A Coroa Portuguesa estabeleceu nas minas descobertas por Mão de Luva uma lavra de mineração, sob a direção de um superintendente do ouro, iniciando assim a povoação de Cantagalo. As novas Minas de Macacu, como eram chamadas, adquiriram tanta reputação e fama de suas riquezas que atraiu a população da província de Minas Gerais, ávidos em fazer fortuna com a mineração. Alguns anos depois, a exploração das minas foi confiada ao tenente José Joaquim Soares, natural de Minas Gerais, perito mineiro, e responsável em dar a Cantagalo uma nova vocação: a agricultura. Na sua fazenda das Lavrinhas germinaram as primeiras sementes de café e cana-de-açúcar. A chusma de mineiros que imigraram para Cantagalo em busca das minas de ouro logo percebeu a riqueza de suas terras, a salubridade do clima e principalmente a abundância de rios como o Paquequer, rio Grande e rio Negro, tributários do rio Paraíba, facilitando o estabelecimento de moinhos, engenhos e máquinas hidráulicas. Não tardou muito que da província de Minas Gerais se estabelecesse uma corrente de migração para o distrito de Cantagalo e a busca pelas minas auríferas passou a ter importância secundária em comparação à atividade agrícola. As culturas de milho, arroz e feijão tiveram grande incremento entre os mineiros. Posteriormente vieram outros naturais da Província de Minas Gerais, mais abastados, que se dedicaram a plantação de fumo, na fabricação de anil, aguardente e rapadura. O distrito de Cantagalo exportava para o Rio de Janeiro ouro, feijão, fumo de rolo, anil e toucinho e importava escravos, ferragens e fazendas. Era essa a economia de Cantagalo quando D. João VI, em 1818, concebeu o projeto de estabelecer nesse distrito a colônia de suíços. A plantação de café, que daria o grande impulso na região, era ainda incipiente. A produção das fazendas Lavrinhas, Ribeirão Dourado, Santa Anna e Quilombo, únicas em que o café não servia somente de mera curiosidade e de enfeite às hortas, não excedia a mil arrobas, todas juntas. Em meados do século XIX, a produção do café suplantaria todas as outras culturas e Cantagalo exportaria, aproximadamente, 400.000 arrobas de café anualmente. Continua na próxima semana.

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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