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As mandingas do Luva de Chopotó - Parte 1
No final do século 18, Mão de Luva e seu bando se deslocaram da Zona da Mata Mineira para os Sertões do Macacu, no Centro-Norte fluminense, para explorar, clandestinamente, o ouro de aluvião. Foram garimpando ouro nos rios e córregos da região por vários anos até serem presos pelas tropas do vice-rei de Portugal. No entanto, como determinado comportamento de Mão de Luva foi reconhecido como herético, iniciou-se em 1781, uma instrução pelo Tribunal de Inquisição de Lisboa, por crimes de heresia e apostasia.
No ano seguinte, no Rio de Janeiro, o reverendo Bartolomeu da Silva Borges, comissário do Santo Ofício, foi designado pelos Inquisidores Apostólicos de Lisboa a fazer uma diligência contra Manoel Henriques, o Luva de Chopotó. No processo, Mão de Luva foi acusado de cometer desacato ao Santíssimo Sacramento por trazer uma partícula ao pescoço que dizia ser consagrada, dando-lhe poderes sobrenaturais.
O tribunal desejava saber se ao portar a dita partícula consagrada ao pescoço ignorava o que fazia ou se estava em seu perfeito entendimento. Igualmente em que igreja ou capela o acusado comungava, para que fim cometera tão “horroroso desacato” e por fim, se quando o fizera, estaria embriagado de vinho que lhe pertubasse o juízo.
Testemunhas presas nos cárceres por determinação do Tribunal da Inquisição declararam que o acusado fazia uso de arte diabólica para que o seu cavalo saltasse de maneira sobrenatural. Possuía trevos e orações os quais o ajudava a fazer artes e valentias. Fazia uso de uma bolsa que consultava e que lhe dava um sinal se poderia seguir viagem ou não. Tudo quanto Mão de Luva fazia não era natural, mas auxiliado por alguma arte diabólica, declarou uma testemunha.
Outra disse que quando Mão de Luva se metia em algum perigo, logo tirava da algibeira uma bolsa volumosa e a lançava ao pescoço. Valendo-se dela, se metia em todos os perigos seguro de que nada o ofenderia. José da Silva Pereira, viúvo, com 38 anos de idade, que vivia de sua lavoura de mandiocas para fazer farinha, testemunhou sob o juramento dos santos evangelhos que conhecia muito bem Manoel Henriques, o Luva de Chopotó, com quem conviveu por sete meses em um descoberto de ouro. Ouviu da boca de Manoel Henriques que numa ocasião um governador de Vila Rica quisera ver uma de suas façanhas. Montara em um cavalo passando por cima de algumas casas e caindo em um valo.
Deste valo, tornou a saltar por cima das casas e se apresentou ao governador que se achava acompanhado de muitas pessoas. Ouviu dizer de Joaquim Lopes, que Manoel Henriques trazia consigo uma partícula consagrada, mas ignorava como a adquirira e de que capela ou oratório era originária. Quando comungava escondia-a no bolso, declarou.
Antônio Barbosa Matos, casado, 33 anos, morador no caminho das Minas Gerais no lugar chamado Cebolas, Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Inhomerim, que vivia da lavoura de milho e feijão, prestou juramento dos santos evangelhos. Declarou que conhecia muito bem Manoel Henriques, chamado o Mão de Luva, com o qual andou dois anos pelo mato. Ouviu da boca de Mão de Luva que praticava magia com seus cavalos apelejadores, descrevendo várias proezas que os animais faziam. Ouviu alguns fatos que pareciam não serem naturais, declarando que só poderia ser feito por arte diabólica.
Em outro depoimento, Antônio Barbosa Matos disse que Mão de Luva havia lhe prometido que o ensinaria a ler e que lhe daria uma bolsa. Indagando de que serviria a dita bolsa, Mão de Luva respondeu que trazendo-a consigo, quando arranchasse, batesse com a mão em um pau. A referida bolsa entraria para dentro do pau e naquele caminho ninguém o incomodaria.
Antes que seguisse viagem, perguntasse ao pau onde estava a dita bolsa e se poderia ou não seguir viagem. Se a bolsa não saísse, não deveria prosseguir viagem. Se saísse do pau, seguramente poderia seguir viagem. Disse não saber se Mão de Luva trazia consigo partícula consagrada. Assistiu Mão de Luva comungar pois ele tinha suspeita de que andaria com o demônio e na ocasião recebeu o sacramento. Continua na próxima semana.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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