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Jinjibirra, goró e engasga-gato
A cachaça é a palavra que possui o maior número de sinônimos na língua portuguesa. Ultrapassando a mais dois mil, esses são alguns exemplos pelos quais a cachaça é conhecida. Água-benta, abrideira, abençoada, abre, aca, a-do-ó, aço, água-bruta, água-de-briga, água-de-cana, água-que-gato-não-bebe, água-que-passarinho-não-bebe, aguardente, aguardente de cana, aguarrás, águas-de-setembro, alpista, aninha, arrebenta-peito, assovio-de-cobra, azougue, azuladinha, azulzinha, bagaceira, baronesa, bicha, bico, boas, borgulhante, boresca, branca, branquinha, brasa, brasileira, caiana, calibrina, cambraia, cana, cândida, canguara, caninha, canjebrina, canjica, capote-de-pobre, catuta, caxaramba, caxiri, caxirim, cobreira, corta-bainha, cotreia, cumbe, cumulaia, amnésia, birita, codório, conhaque brasileiro, da boa, delas-frias, danada, dengosa, desmancha-samba, dindinha, dona-branca, ela, elixir, engasga-gato, divina, espevitada, de-pé-de-balcão, do balde, espírito, esquenta-por-dentro, filha-de-senhor-de-engenho, fruta, gás, girgolina, fava de cheiro, fia do sinhô de engenho, gasolina de garrafa, geribita, goró, gororoba, gramática, guampa, homeopatia, imaculada, já-começa, januária, jeribita, jurubita, jinjibirra, junça, jura, legume, limpa, lindinha, lisa, maçangana, malunga, mavalda, mamãe-de-aluana, mamãe-de-aruana, mamãe-de-luana, mamãe-de-luanda, mamãe-sacode, lambida, levanta velho, lisa, malta, mandureba, mundureba, marafo, maria-branca, mata-bicho, meu-consolo, minduba, miscorete, moça-branca, monjopina, montuava, morrão, morretiana, óleo, orontanje, otim, panete, patrícia, perigosa, pevide, piloia, piribita, porongo, prego, pura, purinha, mé, néctar dos deuses, oleosa, parati, pitu, preciosa, queima-goela, quebra-goela, quebra-munheca, rama, remédio, restilo, retrós, roxo-forte, samba, sete-virtudes, sinhaninha, sinhazinha, sipia, siúba, sumo-da-cana, suor-de-alambique, supupara, tafiá, teimosa, terebintina, refrigério da filosofia, rum brasileiro, salinas, semente de arenga, suor de alambique, terebintina, tinguaça, tira-teima, tiúba, tome-juízo, três-martelos, não-sei-quê, veneno, xinapre, zuninga, uca, uma que matou o guarda, vinho de cana, vocação, ypióca, entre outras.
O pintor francês Jean-Baptiste Debret que integrou a Missão Artística Francesa que veio ao Brasil em 1817, observando as tribos indígenas, registrou que havia uma tarefa que cabia exclusivamente às mulheres, a fabricação de aguardente. Mastigavam substâncias vegetais necessárias à composição das bebidas espirituosas, principalmente a do cauim, licor com o qual se embebedavam nos seus divertimentos.
As mulheres reunidas dedicam várias horas consecutivas à mastigação dos grãos de milho, cuspidos e depois triturados dentro de um vasilhame. Esta pasta fermenta na água quente durante 12 a 16 horas. Após essa primeira preparação é despejada em um grande recipiente de madeira, no qual é deixada fermentar em uma quantidade maior de água igualmente aquecida. Durante essas duas fases agitam a mistura com uma vareta. Esse licor espirituoso, manipulado sem cessar sobre o fogo, era bebido ainda quente. A batata-doce e a mandioca produziam o mesmo resultado, mas as mulheres preferiam o grão de milho, por ser mais agradável na mastigação.
Não era a única bebida alcoólica consumida pelos índios. Frutos como a ananás e o caju produziam pela maceração licores extremamente capitosos, que os índios bebiam com paixão. Já os primeiros colonizadores portugueses apreciavam a bagaceira e o vinho do porto. A cachaça é uma bebida de imensa importância histórica, cultural, social e econômica no Brasil, estando relacionada à atividade açucareira.
No início do século 16, surgiram no litoral pernambucano os primeiros engenhos, destinados tão somente à fabricação de açúcar e de rapadura. A cachaça surgiu da fermentação e destilação dos subprodutos do açúcar. Com o decorrer dos anos, os engenhos passaram a separar a produção de açúcar e de cachaça. Esse destilado era consumido somente pela classe popular e pelos escravos nos primeiros séculos de nossa história. Nas últimas décadas, tornou-se apreciado pelas classes média e alta em razão de inúmeras marcas de qualidade envelhecidas em barris de carvalho, umburana, ipê, cedro e jequitibá.
O Brasil já possui pelo menos 30 mil produtores de cachaça, fora os que produzem na clandestinidade. A cachaça é considerada genuinamente brasileira e patenteada na Organização Mundial de Comércio. Dos gregos da antiguidade clássica herdamos o costume de jogar um pouco de cachaça ao chão, “para o santo”, antes do primeiro gole. O grego não bebia nenhum líquido sem antes compartilhar com os deuses, fazendo-lhes uma oferenda e entornando uma porção de qualquer bebida ao solo.
A cachaça ganhou tanta importância no Brasil em todas as classes sociais, que além de cachaceiro, surgiu a figura do cachacier, um especialista na água-que-passarinho-não-bebe.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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