História regional—Última parte: Cantagalo retalhada

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Cantagalo é um município pouco visitado pela maior parte dos friburguenses. Mas foi a gênese de todos os municípios, dando origem a Nova Friburgo, Bom Jardim, Carmo, Sumidouro, São Sebastião do Alto, Itaocara, Macuco, Duas Barras, Santa Maria Madalena, Trajano de Moraes, etc, formando 14 municípios no Centro-Norte fluminense. O seu primeiro ciclo econômico foi com a exploração do ouro descoberto pelo lendário Mão de Luva nos outrora Sertões do Macacu, terra de “índios brabos”. Mas seria o café que colocaria Cantagalo como uma das regiões mais importantes do Brasil Império, berço dos barões do café fluminense, atraindo a curiosidade de cientistas e viajantes ilustres para as terras que contribuíam com significativa parcela da riqueza nacional. Com a decadência do café, pelo exaurimento de suas terras sem a devida manutenção, Cantagalo migrará sua atividade econômica para a pecuária e para o polo cimenteiro. Cantagalo teve suas terras esgotadas pela monocultura predatória do café. Os cafezais, quando muito, não duram mais de trinta anos, e como a terra não fora renovada com adubos químicos, tornaram-se muito pouco produtivos com o decorrer de algumas décadas. Os fazendeiros fluminenses habituaram-se a se deslocar pelos vales e montanhas, como “ondas verdes”, à procura de terras virgens para nova lavoura de café, abandonando as terras esgotadas com velhos cafeeiros. No entanto, com o decorrer dos anos, essas terras acabaram. Ao final do século XIX, somente nos distritos de Cordeiro, Macuco e Santa Rita da Floresta é que se encontravam cafezais de vulto, devido ao atraso de sua introdução nessas localidades, nos informa Clélio Erthal, em “Cantagalo – do surto da pecuária à industrialização do calcário”.
Nem a pecuária e igualmente o complexo cimenteiro resgataria a economia dinâmica que Cantagalo conheceu no Segundo Império com a cultura do café. Os solares das fazendas em Cantagalo, testemunhas de um passado, refletem a grandeza desse município no tempo do Império. A cidade, porém, não traduz a sua belle époque. Isso se deve ao fato de os impostos provenientes da produção e da comercialização do café não ficarem no município, sendo sugados pelos governos provincial e geral. A monarquista Cantagalo pagou um preço caro com a Proclamação da República: foi retalhada perdendo a maior parte de seu território dando origem aos municípios do Centro-Norte fluminense anteriormente mencionados. Eduardo Portella, presidente do estado, indicado pelo marechal Deodoro da Fonseca, objetivando manipular as bases políticas a seu favor, promoveu uma divisão político-administrativa do estado, criando novos municípios. Quando uma localidade lhe era hostil recebia como punição a perda de território, dando origem a currais eleitorais dóceis e submissos. Cantagalo, conhecida como reduto de monarquistas, foi um dos municípios mais atingidos. Decadente em sua economia, teve igualmente que suportar o ônus da mutilação de seu território. Mas o que importava a Eduardo Portella era punir os monarquistas fluminenses formando currais eleitorais de fácil manejo. Cantagalo foi perdendo, desde a proclamação da república, territórios que deram origem aos municípios já mencionados. Alguns deles, devido ao baixo índice demográfico e a falta de renda suficiente para custear as despesas administrativas, reincorporam-se a Cantagalo, a exemplo de Cordeiro, mas posteriormente terminaram por se emancipar. 
 A cidade que despertou a curiosidade de cientistas como Hermann Burmeinster, John Mawe e Theodor Peckolt, do curioso príncipe da Prússia, Adalberto Hohenzollern, recebeu a princesa Isabel e por duas vezes o imperador Pedro II, é hoje um município esquecido. O seu núcleo urbano, através de seu patrimônio histórico, mal reflete o seu passado de glória, pois como dito anteriormente, os tributos da produção e comercialização do café não ficavam nos cofres do município. Como a sociabilidade dos proprietários rurais era restrita aos seus solares, a vila teve poucas interferências dessa elite, a não ser um teatro construído em 1853 e já demolido. Como seus grandiosos solares estão dispersos numa teia de antigos latifúndios e atualmente pertencem a diversos municípios, restou pouco para Cantagalo contar de sua história. Porém, um município que surge com o “Mão de Luva”, um contrabandista de ouro, cuja história é cercada de lendas, dá sabor a qualquer narrativa histórica e literária. Cantagalo merece um olhar mais atento, perscrutador sobre a sua interessante história.

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “Histórias da História de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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