História regional—Parte 1: Catagalo e o sistema de colonato

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Município da velha província fluminense, Cantagalo conheceu seu resplendor no tempo do Império. A sua riqueza nobilitou seus grandes latifundiários, tornando-os barões do café, em reconhecimento ao seu grandioso nível de produção que trazia desenvolvimento à nação. Porém, ao final do século XIX, com o desgaste das terras provocado pelo cultivo intensivo do café, por décadas, e com o fim da escravidão, Cantagalo entra em decadência. Esses dois acontecimentos provocam a falência dos grandes proprietários plantadores de café, como o Barão de Nova Friburgo e o Barão de Cantagalo. Os Clemente Pinto, da família do Barão de Nova Friburgo, perderam quase todo o patrimônio. Entre as duas dezenas de fazendas mantiveram tão somente as de “Areias” e a do “Gavião”. Sabedores do fim da escravidão, os Clemente Pinto estrategicamente libertaram seus numerosos escravos pouco antes da Lei Áurea, na ilusão de conservá-los a seu serviço. Mas isso não evitou a evasão de uma legião de ex-escravos, no afã da liberdade em outras paragens. 
Cerca de 3,8 milhões de estrangeiros entraram no Brasil entre 1887 e 1930, com os italianos formando o grupo mais numeroso (35,5% do total), vindo a seguir os portugueses (29%) e os espanhóis (14,6%). Em decorrência da forte demanda de força de trabalho para a lavoura do café, o período de 1887 a 1914 concentrou o maior número de imigrantes, com aproximadamente 2,74 milhões de pessoas. Os italianos, mais uma vez, constituíram o principal agrupamento a fornecer mão de obra para a economia cafeeira. Os cafeicultores paulistas já acolhiam em grande quantidade colonos para trabalhar em suas fazendas. Fica então, a seguinte indagação: Teriam igualmente os cafeicultores fluminenses utilizado imigrantes europeus para substituir a mão de obra escrava na qualidade de colonos? 
Em um caderno publicado pela Prefeitura Municipal de Cantagalo, podemos ter uma pequena ideia da introdução do sistema de colonato entre os fazendeiros fluminenses. Nesse caderno são relacionadas noventa e uma fazendas, do tipo latifúndio. No entanto, poucas declararam possuir colonos estrangeiros em suas propriedades. Na fazenda de Val de Palmas, de propriedade de Antonio Van Erven, havia poucos colonos estrangeiros, sendo a maioria nacional; na fazenda de Pouso Alto, de propriedade de Manoel Cortes Losada, havia 49 famílias de colonos entre portugueses, espanhóis e nacionais; na fazenda Santa Bárbara, de propriedade do Coronel Carlos F. Oberlaender, havia 52 famílias de colonos, mas não especifica a nacionalidade. Informa, porém, que o sistema era de meação no plantio do café e da cana-de-açúcar e os cereais pertenciam totalmente aos colonos. Na fazenda da Boa Esperança, de propriedade de João Pereira Ferro, havia 70 famílias de colonos entre brasileiros e portugueses; na fazenda D’Aldeia, de propriedade de Januário Pinto de Freitas Junior, havia 26 famílias de colonos de várias nacionalidades; na fazenda Santo Antonio do Rio Negro, de propriedade do coronel José Constâncio Monnerat, havia colonos nacionais, portugueses, italianos e espanhóis; na fazenda Boa Vista, de propriedade do coronel César Freijanes, havia 51 famílias de colonos nacionais, portugueses e italianos; na fazenda de São José do Rio Negro, de propriedade do coronel Francisco Antonio Monteiro, havia 30 famílias de colonos entre nacionais, portugueses e espanhóis; na fazenda de Santa Thereza, de propriedade de Firmino João Faria, havia somente colonos nacionais; na fazenda dos Cafés, de propriedade de Miguel Lopes Martins, havia 40 famílias de colonos (não especifica a nacionalidade); na fazenda de Areias de propriedade da baronesa de São Clemente, havia colonos nacionais, portugueses, italianos e espanhóis, sendo o contrato de meação no plantio do café e da cana-de-açúcar e os cereais pertenciam aos colonos; na fazenda da Soledade, de propriedade do capitão Eugenio Martins de Mello, havia 15 famílias de colonos (não especifica a nacionalidade); na fazenda São Clemente, de propriedade do coronel João Henrique Monnerat, havia 32 famílias de colonos de diversas nacionalidades; na fazenda Bom Sucesso, de propriedade de Monnerat e Cia., havia 64 famílias de colonos nacionais e portugueses; na fazenda Bonfim, de propriedade de Arthur Ramos Leal, havia colonos com meação no plantio da cana-de-açúcar, quinta parte da colheita de arroz e do fumo e 10 sacos de milho por alqueire, mudando essa regra quando o proprietário auxiliava a lavoura do colono. 
Apesar de não ser essa uma fonte que dê conta de responder a nossa questão, aparentemente foi modesta a introdução de colonos, considerando o número de propriedades rurais. Há o registro de que em 6 de novembro de 1888 chega ao distrito de Cordeiro a primeira turma de imigrantes, contratada pela Associação dos Lavradores de Cantagalo, mas faltam pesquisas sobre as atividades dessa instituição. Em novembro do ano seguinte, chega ao Rio de Janeiro no vapor “Poitou” cerca de 700 imigrantes espanhóis, nos informa Acácio Ferreira Dias, em Terra de Cantagalo. Ainda segundo ele, já haviam imigrado para essa região 4.000 europeus. Haveria uma explicação para tão modesta introdução de colonos? Talvez se explique pela mentalidade escravocrata que vigorava entre os fazendeiros da região, habituados ao modo de produção da escravidão durante quase um século. Considerando que Cantagalo possuía um dos maiores plantéis de escravos no Segundo Império, era difícil para os fazendeiros habituarem-se ao sistema de meação quando durante décadas se recompensava o trabalho dos escravos com a chibata, a farinha, o toucinho e eventualmente a cachaça. Até a segunda década do século XX, Cantagalo ainda apresentava um portfólio de fazendas produtoras de café, mas já se reconhecia seu declínio e a migração para o setor da pecuária. Habituados, no passado, a perceber altos rendimentos com a venda do café, os fazendeiros da região custaram a se adaptar à ideia de vender, eles mesmos, e não mais através de intermediários (outrora o faziam através dos comissários do café), o milho, o fubá, o feijão, a mandioca, o açúcar, o fumo, o leite, o toucinho, os capados, os galináceos e os ovos a preços modestos aos comerciantes locais. A economia atual de Cantagalo se baseia na pecuária e na indústria cimenteira; mas em sua bandeira, o emblema da rama de café, a lembrar sempre um passado ufanista. Na próxima semana, a matéria “Tenentes do inferno e caturras: O carnaval de Cantagalo”.

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “Histórias da História de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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