Fonte do Suspiro: poética e misteriosa

quarta-feira, 08 de outubro de 2014

A Fonte do Suspiro vem sendo reconstituída. Essa fonte tem uma importância histórica muito grande para a cidade. Sua reconstrução procurará dar-lhe as características que possuía em fins do século 19. Não tenho conhecimento do material utilizado, mas será fundamental na sua reconstituição. Originariamente era feita de pedra de cantareira, mas essa pedra é extremamente cara e exige profissional muito qualificado para trabalhar com ela. Utilizar pedra de cantareira ficaria oneroso e de difícil execução. Criar um "falso histórico” já é o suficiente. Na história da humanidade, em muitos lugares, as fontes de água sempre foram cercadas de lenda. Temos a nossa, a Fonte do Suspiro. Em razão de sua importância, no entorno dela criou-se uma praça e se erigiu uma igreja. Durante mais de um século, foi o mais importante espaço de sociabilidade da cidade. O hino do município tece-lhe preito e daí o valor de sua reconstituição. Além da poesia que evoca nas três bicas, amor, saudade e ciúme, dizia-se ter um misterioso poder curativo devido a qualidade de suas águas. Ninguém melhor para demonstrar a sua importância do que um articulista de um jornal da cidade, em fins do século 19. Segue a transcrição de uma crônica do jornal O Friburguense, de 29 de novembro de 1894, que denota a importância dessa fonte. Percebe-se que o articulista critica o poder público local pela "secura” da fonte. Provavelmente pelo desvio da água de seu manancial para residências na rua Gal. Osório. De qualquer forma, o que interessa nessa crônica é demonstrar como essa fonte tinha particular afeição pelos friburguenses daqueles tempos: "São gerais as queixas levantadas em referência a secura da tradicional Fonte do Suspiro. Ainda no domingo passado, cerca de trezentas pessoas, sem exageração, que naquele bairro foram passear e quiseram beber água daquela fonte, outrora tão pura e abundante, tiveram de presenciar contristadas o triste estado a que ela ficou reduzida, sem água, pingando, pingando de uma bica, pois que a outra estava completamente seca. Tiraram o valor da poética e misteriosa fonte, mataram a graça e a beleza daquele afamado lugar. Fonte do Suspiro! Fonte de amores, de ciúmes e saudades, que fizeste para reduzirem-te ao triste e humilde estado em que ora estais? Não foi aí, ao som da caída de tuas virtuosas águas, descendo como flocos de cristal da altaneira montanha, que se trocaram mútuas promessas, origem de tantos outros elos de felicidade? Não foi aí que a brisa fagueira nascida dessa garganta ornada de verdes folhagens e flores agrestes, soprava íntimos idílios de amor e ciúmes levantando os mais enternecidos suspiros de saudades àqueles que se ausentavam? Que fizestes malfadada fonte? E quando vierem os aflitos, os necessitados, os que aspirarem a robustez, a saúde e a vida, procurando o teu frescor, o teu auxílio, o teu socorro, para reaverem a robustez, a saúde e a vida que costumáveis dar aos que a ti recorriam pela fama que tínheis de consolar os tristes, os milagres que fazias lenir as dores dos que sofriam, se ressuscitar os quase mortos, o que dirás? Nem ao menos se ouvirá aquele doce rumor antigo! Mísera e mesquinha fonte! Não foi só nesse dia que a Fonte do Suspiro esteve seca, antes e depois tem-se observado a mesma  coisa. Todos têm observado e reparado que brevemente daquela água só ficará triste recordação. Homens, senhoras e crianças e até, oh Deus do céu, os mesmos cidadãos a quem estão confiados os deveres de promover a felicidade pública reconheceram que isto é uma verdade, presenciada por eles. E o que é mais maravilhoso é que, nem na Câmara, nem na Assembleia Municipal se tenha erguido uma voz para mostrar que aquela fonte é uma servidão pública constituída ininterruptamente desde a criação de Friburgo, como colônia.” 


 Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo

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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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