Falando mal de Friburgo

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Os jornais são minha fonte favorita para reapresentar o cotidiano da cidade. Sempre que posso recorro a eles, mormente aos seus cronistas. Um dos meus favoritos é Henrique Zamith. Extraio muito de suas crônicas, pois ele é um saudosista e nos conduz a uma Nova Friburgo entre fins do século 19 e as primeiras décadas do século seguinte. Na crônica que transcrevo, Zamith reforça a representação que se fazia de Nova Friburgo como local não somente para veraneio mas igualmente para alívio e retempero da saúde. Os visitantes teciam geralmente a Nova Friburgo madrigais ternos e por isso nosso cronista sente-se injuriado com a crítica que ouvira sobre a cidade durante uma viagem do trem. Nessa deliciosa crônica destaquei os elementos mais interessantes como a Fonte do Suspiro e suas lendas, os locais de passeio como a Granja Spinelli, a importância das praças, a representação de se fazia da cidade como local de lazer e de cura e finalmente a posição de Nova Friburgo entre as demais cidades serranas: "Sempre ouvi dizer que Friburgo, essa cidade predestinada, esse recanto do céu, (...) tinha a primazia entre as suas coirmãs do Estado do Rio; e ouvi mais, ouvi ainda uma lenda que dizia que em noites de luar uma virgem loura de olhos azuis vinha passear por sobre a Fonte do Suspiro, entoando uma sentida canção de amor, saudade e ciúme, e que havia um encanto extraordinário, uma mandinga terrível nessa canção, tanto que ficava presa a Friburgo a alma daquele que bebesse alguns sorvos da água da fonte. Essas coisas eu as ouvia em criança e, na minha mocidade, eu as repetia como uma verdade, crente também de que a minha terra era a Princesa dos Órgãos (...), a Suíça Brasileira, a terra que Deus não esqueceu. (...) E, realmente, Friburgo mereceu sempre esses epítetos bonitos de princesa, rainha e imperatriz das serras porque tudo nela era bonito, desde a obra genuína da natureza até a arquitetura trabalhada pelo homem, desde as suas montanhas de granito aos campos esmaltados de flores policrômicas, desde o Bengalas sinuoso e múrmuro até as cachoeiras fragorosas (...), desde as granjas às praças arrumadas com gosto e arte. Além disso sua gente era toda uma gente boa, gente de alma grande (...) e delicada e atenciosa com os que ali iam para descansar das fadigas, fugindo ao calor do Rio [de Janeiro] ou para refazer o organismo combalido. Por isso, quando sábado eu viajava para Valença (...), senti uma dor imensa ouvindo de um senhor, que não conheço, coisas desagradáveis sobre Friburgo. O trem partira de Juparanã. Às minhas costas, eu sempre viajo de costas para a máquina por causa da poeira nos olhos, um senhor (...) conversava com um indivíduo moreno, de grandes bigodes. Falavam sobre saúde, sobre cidades de verão. Os médicos o haviam mandado para fora. Fora a Petrópolis mas não gostara. Era uma cidade aristocrática. Fora a Teresópolis. Também não gostara. Era uma cidadezinha roceira, cheia de mato. Fora a Friburgo. Também não gostou. Falavam tanto dessa cidade, mas não eram lá estas coisas. Era uma cidade suja. Não tinha nada para atrair, a única coisa melhorzinha era a Granja Spinelli. A Praça mais assim era a Quinze de Novembro [atual Getúlio Vargas], uma praça de eucaliptos, mas muito maltratada.(...) Será possível que as administrações se tenham descurado tanto (...) que o Suspiro com a sua fonte murmurante e cristalina e o seu jardinzinho ideado pelo dr. Farinha [Filho] esteja tão maltratado, que a Praça do Paissandu que Júlio Salusse na revista Friburgo em Cena (...) Eu sou a Praça Paissandu, quem por mim passa, diz que bijou. (...) Será possível, portanto, que tenha ela perdido a sua coroa de rainha e se veja transformada, hoje, apenas numa dessas raparigas passáveis?...” Semanário O Nova Friburgo, crônica "Falando mal de Friburgo!”, de 19 de março de 1931. 

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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