Escravidão em Nova Friburgo: uma história pra contar

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Em 1835, a população livre de Nova Friburgo era de aproximadamente 2.800 habitantes e de 2.000 a escrava. Anos depois, em 1850, a população livre do município era de 4.187 indivíduos e de 2.927 escravos, correspondendo esses últimos a 41% da população. Neste período, o levantamento abrangia as freguesias de São João Batista e de N.S. da Conceição do Paquequer. Quando, em 1857, foi anexada a freguesia de São José do Ribeirão, a população escrava tornou-se exponencial. Essa freguesia possuía naquele ano mil homens livres e setecentos escravos. Como vimos, a população escrava de Nova Friburgo era significativa. No entanto, alguns fatores contribuíram para que Nova Friburgo tivesse uma população branca majoritária a partir do terceiro quartel do século XIX. O primeiro deles foi provavelmente o constante influxo de imigrantes italianos, portugueses, árabes, espanhóis e alemães, "branqueando” a população. Paralelamente a isso, suas duas freguesias, a de N.S. da Conceição do Paquequer e a São José do Ribeirão, que concentrava significativo plantel de escravos devido às lavouras de café, foram desmembradas de Nova Friburgo, dando-lhe novo perfil. A primeira deu origem ao município de Sumidouro e a segunda foi anexada a Bom Jardim. Era difícil fugir ao modo de produção escrava. Até mesmo os suíços e os alemães, assim que puderam, adquiriram cativos. Cai por terra o modelo do trabalho livre e honrado. A associação mental de trabalho agrícola e doméstico ao escravo acabou gerando rejeição dessas atividades laborais por parte do trabalhador livre pobre. Ninguém queria fazer "trabalho de ”. 

Em 1835, espalhou-se a notícia da possibilidade de uma insurreição de escravos na região. Havia o rumor de que um grupo de escravos do distrito do Rio  vagava armado pelas fazendas divulgando entre os cativos que haveria uma sublevação no dia 25 de dezembro. Alguns escravos diariamente percorriam as fazendas da vizinhança proferindo palavras tendentes a uma insurreição. Há esse registro em ata da Câmara de Nova Friburgo, mas não há comprovação desse fato. No entanto, o mais significativo nessa provável rebelião é a constatação de que havia um excessivo número de escravos na região. Passou-se a exigir que fazendeiros com poucos feitores limitassem o número de escravos, já que não conseguiam controlá-los. Para o caso de fazendas que tivessem grande número de escravos, a Câmara exigia tributação proporcional ao número deles. Com este imposto, os municípios com forte concentração de cativos deveriam investir na segurança com o emprego "de tropa paga”, com número de guardas proporcional ao de escravos. Isso é apenas um exemplo de uma situação cotidiana para demonstrar que Nova Friburgo não estava à margem do modo de produção escrava.

No Dia da Consciência Negra, um olhar sobre a historiografia da escravidão em Nova Friburgo: o livro de Gioconda Losada, "Presença Negra”; "O Crime da Ponte das Taboas”, de Eyer e Lisboa; e a tese de mestrado de Marretto, "A Escravidão Velada”, nos dão um aporte significativo. No Centro de Documentação D. João VI uma modesta  documentação sobre avaliação, compra e venda e liberdade condicional de escravos ilustra que Nova Friburgo não foi uma ilha isolada do trabalho escravo. Historiadores afirmam que em sociedades com majoritária presença de indivíduos brancos o preconceito racial é mais evidente. Em entrevistas que tenho realizado essa afirmação tem se comprovado. Não faltam casos de exclusão racial e chega até ser curioso que um determinado espaço de sociabilidade conhecido como "Grito da Mocidade”, na subida do cemitério, era frequentado apenas por negros, sendo proibida a entrada de brancos. 

A prevalência do indivíduo branco do tipo europeu na formação social do município acabou esmaecendo a história da escravidão em Nova Friburgo. Apesar das obras acima citadas não darem conta de uma história da escravidão em Nova Friburgo, já é um bom começo. Um Decreto municipal de 1983 institucionalizou o movimento negro e colocou sua bandeira no panteão dos fundadores do município. Logo, já temos algo a dizer no Dia de Consciência Negra. 


Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de

diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”


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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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