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ESCRAVIDÃO EM NOVA FRIBURGO - Os quilombolas da serra
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
Existiu quilombo em Nova Friburgo? Pesquisando a história da escravidão no Brasil, perguntaríamos: onde não existiram quilombos no Brasil durante a escravidão? A historiografia sobre esse tema, até alguns anos atrás, mostrava a figura do africano submisso, subserviente e resignado a sua condição de escravo. No entanto, pesquisas atuais demonstram que o africano resistiu sempre que pôde à sua condição servil, seja através da insurreição, e temos o exemplo da revolta dos escravos maleses na Bahia, ou da fuga, originando os quilombos. Conforme Viotti da Costa, as afirmações sobre a suavidade do sistema escravista no Brasil, o paternalismo dos fazendeiros, o escravo fiel e o senhor benevolente, que acabaram fixando-se na literatura e na história, não passam de mitos forjados pela sociedade escravista. Na matéria de hoje, trataremos de um quilombo existente em Nova Friburgo e em localidades próximas. Há o registro de quilombos existentes em Cantagalo, e igualmente em Nova Friburgo, em Macaé de Cima, descendo rio abaixo até o município de Macaé.
A partir de 1821, a colonização suíça se estende para o Vale do Macaé, com autorização do governo geral, em razão da má qualidade das terras distribuídas aos colonos no perímetro do Núcleo Colonial. Tempos depois, há o registro de que os colonos suíços destruíram um quilombo nessa região. O diretor da colônia de Nova Friburgo autorizou a expedição dos suíços em tomar as terras de quilombolas. Martin Nicoulin nos informa que em 1824 o suíço Antoine Cretton de Martigny, do Valais, relata uma dessas investidas. Cretton descreve uma expedição em que dezesseis suíços se mobilizam para ocupar terras em Macaé de Cima, "onde ninguém [os suíços] ainda tinha posto os pés”. Empregou-se um nativo para servir como batedor e ao fim de oito dias de marcha alcançaram um quilombo. Segundo ele, a região era muito perigosa sendo quase impossível chegar-se ao quilombo sem correr sério risco de vida. Para proteger o seu refúgio, os quilombolas utilizavam armadilhas em todas as picadas de acesso ao quilombo fazendo covas profundas com o fundo repleto de farpas de pau agudas. Os quilombolas cobriam as covas com folhas, tornado impossível identificá-las. O suíço Laurent Sottemberg, que participava da expedição, caiu em uma dessas covas. O infeliz teve o pé atravessado pelas farpas. Os suíços encontraram oito africanos que os ameaçou com flechadas. Segundo Cretton, conseguiram dominá-los e os forçaram a dar todas as informações referentes às suas terras. Cretton se estabeleceu no quilombo encontrando terras desmatadas parcialmente e cultivadas com batata, grande número de bananeiras, alguns pés de café e cana-de-açúcar. No entanto, o colono suíço Hecht deixou o seguinte registro em suas memórias: "Eles [os suíços] tinham deparado com um lugar, onde haviam estabelecido negros foragidos com maravilhosas plantações. O lugar, a localização e as plantações tanto agradaram, que iniciaram conversas com os negros para adquiri-las (...) O líder dos negros, que andava com uma espada desembainhada, falou assim: Se vocês suíços fossem lavradores locais, teríamos entrado em luta com vocês; de forma alguma nos teríamos deixado aprisionar. (...)Com pouco dinheiro os colonos suíços compraram as plantações e os negros se mudaram dali. Esse lugar (...) chama-se Macaé...”. Logo, não houve dominação dos suíços sobre os quilombolas, e sim uma negociação. Um documento de 1825 mostra Laurent Sottemberg com plantações na margem esquerda do Macaé, com o auxílio de alguns escravos doados pelo Imperador. No ano anterior, em 1823, o colono Jean Antoine Musy relata que seu filho recebera a visita de quatro portugueses em seu rancho, no Sana, afirmando que procuravam um quilombo. Retornaram pouco tempo depois e lhe declararam que tinham encontrado ferro, flechas e outros objetos que acreditavam pertencerem aos quilombolas. Nas proximidades do Rio Macaé existe uma localidade denominada Quilombo, ratificando a existência dessa comunidade na região.
Segundo Clélio Erthal, em "Cantagalo, da miragem do ouro ao esplendor do café”, um caminho que inspirava receio em tropeiros e viajantes era a rota Cantagalo-Macaé, em razão da proximidade de pequenos quilombos. Com o advento da Lei de 7 novembro de 1831, tornando ilegal o tráfico de escravos, uma lei "para inglês ver”, navios negreiros, não obstante a perseguição inglesa, passaram a descarregá-los no litoral macaense, de onde eram conduzidos para as lavouras de Cantagalo. Nessa rota muitos conseguiam fugir, internando-se nas matas. Essa região colocava os viajantes em sobressalto devido às emboscadas dos quilombolas. Há o registro dos quilombos de Três Bicos e Carunkango, formados nas imediações da estrada Cantagalo-Macaé na década de trinta, do século XIX, em território dos atuais municípios de Conceição de Macabu e Macaé. No Registro de Óbitos da Freguesia de Nossa Senhora das Neves (1809-1847), no município de Macaé, encontrou-se igualmente uma referência ao quilombo de Carukango.
Na próxima semana a matéria "Vida Amarga”.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos
livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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