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Duzentos anos da instigante história de Cantagalo
quinta-feira, 13 de março de 2014
Nova Friburgo, Bom Jardim, Carmo, Sumidouro, São Sebastião do Alto, Itaocara, Macuco, Duas Barras, Santa Maria Madalena, Trajano de Moraes, entre outros, são municípios que pertenceram a Cantagalo. Até que essa cidade surgisse, a região era denominada de Sertões do Macacu, pertencendo ao termo de Santo Antônio de Sá. Desbravada por Mão de Luva, foi posteriormente ocupada por portugueses e mineiros no último quartel do século XVIII, que expulsaram os índios Coroados, Puris e Coropós, em busca de ouro nos afluentes dos rios Grande, Negro e Macuco. A Coroa Portuguesa distribuiu datas de terras minerais e desse povoamento surgiria Cantagalo. Os primeiros anos foram de euforia, imaginando-se encontrar nos rios jazidas fartas. No entanto, perceberam que as minas não eram tão prolíferas e muitos faiscadores abandonaram o garimpo. O governo português, por outro lado, pressionou esses sesmeiros a cultivar café, açúcar e a criar gado nas terras doadas. A mata cedia paulatinamente lugar às lavouras de café que se espraiaram por suas freguesias. Cantagalo experimenta um progresso extraordinário e o café se impõe como cultura dominante a partir da terceira década do século XIX. Na velha província fluminense, esse município contribuiu com boa parte do café exportado para o exterior. Em 1850, compreendendo todas as suas freguesias, possuía 111 latifúndios dedicados ao seu cultivo. Dez anos depois, já contabilizava 733 latifúndios cafeeiros na região. Surge uma aristocracia rural, os barões do café, a exemplo de Antônio Clemente Pinto, o primeiro Barão de Nova Friburgo. Dezenove fazendeiros dessa região receberam igualmente títulos nobiliárquicos, vindo a integrar a nobreza do Império. O Solar do Gavião, pertencente ao Barão de Nova Friburgo, era a mais imponente sede de fazenda do Brasil Imperial, tendo hospedado o Imperador D. Pedro II e a família real por duas vezes.
Como Adão deu a sua costela para criar Eva, Cantagalo deu parte de seu território para fundar Nova Friburgo, em 1820. Foi Cantagalo que D. João VI escolheu para abrigar a Colônia dos Suíços, na vertente da Serra da Boa Vista. Fracassado o projeto colonial, foi para Cantagalo que ocorreu a diáspora dos suíços e, sucessivamente, dos alemães, abandonando o Núcleo dos Colonos, em Nova Friburgo. Na realidade, é Cantagalo que merece o título de Suíça Brasileira, tão expressiva foi a quantidade de suíços que aí se estabeleceram. Igualmente, cientistas e viajantes europeus se dirigiam para essa cidade. O Príncipe Adalberto Hohenzollern da Prússia quis conhecer Cantagalo, o grande centro produtor de café que exportava para os EUA e para a Europa. Porém, infelizmente, Cantagalo ganhou notoriedade no período imperial pelos maus-tratos e sevícias de seus fazendeiros em relação aos escravos, dos quais possuíam grande plantel. Um senhor, quando desejava ameaçar um escravo, dizia que iria vendê-lo a um fazendeiro de Cantagalo, tanto era o pavor que provocava a evocação de seu nome.
Nova Friburgo deve muito a Cantagalo. As tropas de muares com bruacas de couro pejadas de café, vindas de suas fazendas, passavam pela vila serrana, fomentando-lhe o comércio. O primeiro Barão de Nova Friburgo iniciou a construção do ramal ferroviário para escoar a vasta produção do ouro verde de suas fazendas. Em 1873, seu filho inaugura o trecho entre Cachoeiras de Macacu e Nova Friburgo, trazendo um surto de progresso a essa vila. Além do trem de carga que transportava o café de Cantagalo, e igualmente o trem misto (passageiros e carga), Nova Friburgo passa a ter o trem de passeio, próprio para atender aos veranistas que acorriam todo verão à cidade.
Depois de toda essa peroração sobre a magnitude econômica desse município, é intrigante como Cantagalo não possui prédios e monumentos arquitetônicos condizentes com a riqueza que produzia. Há dois motivos: primeiro, como as fazendas no Brasil eram autossuficientes, os fazendeiros, familiares e agregados somente se dirigiam à vila para comprar tecidos, pólvora, sal, para a vereança ou festas religiosas. Como a sociabilidade dos barões do café se fazia em seus solares, restrito a relações familiares e a estreitos laços de amizade, não se preocuparam em dotar as vilas com espaços de lazer. O modesto teatro que chegou a possuir não espelha o requinte a que seu baronato estava habituado. Segundo, permaneceu uma vila modesta, porque muito pouco dos tributos provenientes do café ficavam nos cofres de Cantagalo, pois iam para o governo provincial e geral. Vale destacar ainda que as tropas não passavam por sua vila, o que poderia favorecer o seu comércio, saindo diretamente das fazendas para as estradas gerais. Cantagalo pagou um preço caro por seu apoio político à monarquia. Seu território foi drasticamente retalhado pelo governo republicano, que criou os municípios já mencionados, para tirar a sua força econômica, já decadente, e igualmente política. Cantagalo faz nesse ano duzentos anos: vale a pena relembrar a sua interessante história!
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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