Diga a verdade e saia correndo - As memórias de Richard Ihns

sábado, 31 de julho de 2010

Nova Friburgo foi em sua história um município matizado por diversas cores com imigrantes suíços, alemães, italianos, portugueses, espanhóis e libaneses. No entanto, a partir de 1910, ganhou tons mais fortes da cultura alemã que conduziu Nova Friburgo para uma nova etapa de sua história: a industrialização. Pode-se afirmar que a implantação das indústrias com capital exclusivamente alemão acarretou a hegemonia dos germanos sobre uma população de perfil ainda indefinido, pois era um município que possuía a tradição de receber colonos e imigrantes, além de uma significativa população flutuante, constituída de veranistas e doentes de tuberculose. Os industriais alemães para garantir o bom funcionamento de suas fábricas, imprimiram a ‘disciplina’ entre a população, visto que a necessidade era a de formar operários industriosos. Julius Arp, Maximiliam Falck e Otto Siems, proprietários das três maiores indústrias como a Rendas Arp, Ypu e Filó, respectivamente, introduziram a cultura da ‘ordem e disciplina’ entre os friburguenses, no estilo ‘ordem e progresso’, um precedente do qual esses empresários não abririam mão, já que investiram suas fortunas em Nova Friburgo. Para tanto, criaram o Colégio Rendas Arp, utilizando a mesma pedagogia dos jesuítas no Brasil Colonial, ou seja, formulando a educação dos pais operários por intermédio dos filhos, implementando a disciplina no seu cotidiano. Logo, houve de fato um projeto de cunho ideológico para Nova Friburgo por parte dos industriais alemães.

Richard Ihns foi o mais importante executivo da Fábrica de Rendas Arp, administrando-a no período de 1947 a 1997. Enfrentou aquela velha tensão entre capital e trabalho nos anos que antecederam o Golpe Militar de 1964, quando ocorreram alguns distúrbios na cidade, culminando inclusive com a morte de um operário na Praça Paissandu. Nessa ocasião, os industriais contavam apenas com o Sanatório Naval, que enviava fuzileiros navais para manter a ordem pública na cidade. Feliciano Costa, que foi prefeito, tinha uma tendência política de esquerda não esposada pelos industriais da época. O ovo da serpente do comunismo em Friburgo estava entre os funcionários da estrada de ferro.

Transcorridos alguns anos, essas mesmas indústrias estão longe de gerar atualmente os cinco mil empregos diretos de outrora. Richard Ihns vê, no entanto, que deixaram um legado ao município, notadamente a Fábrica Filó, refletida na moda íntima. Entende que se deve desenvolver o turismo, criar eventos permanentes a exemplo de exposições de flores, produtos agrícolas, competições como a de motociclistas e construir um centro de convenções. Para Richard Ihns, Friburgo hoje não é mais uma cidade para abrigar grandes complexos industriais. As indústrias de Friburgo deveriam ser do tipo especializadas, de alta tecnologia e que exija mão de obra técnica e de pequena monta, a exemplo da fábrica de ampola de raio x, que já estivera em Friburgo, ou de aparelhos eletrônicos, mas em pequena escala. Depois dessa mudança de paradigmas, pergunto quem mudou, o executivo, que administrou uma grande indústria por meio século, ou Nova Friburgo? Richard Ihns responde: “Novos tempos”. Enfatiza que a vocação de Friburgo atualmente é para pequenas empresas com alta tecnologia.

Em 2011, a Rendas Arp completará o seu centenário e nos anos seguintes, igualmente, as outras indústrias. Julius Arp, primus inter pares, Maximiliam Falck e Otto Siems foram comparados, no passado, à Santíssima Trindade, a Trindade Teutônica, por terem gerado milhares de empregos em Nova Friburgo. Recordemos: foi Julius Arp quem trouxe a energia elétrica ao município. Quem não se recorda do barulho dos tamancos dos operários, no passado, cruzando a cidade desde às cinco horas da manhã? A dialética do capital e do trabalho, do burguês e do operário é um período conturbado da história do município, até porque o Golpe Militar de 1964 agravou ainda mais as tensões entre as classes sociais. Quem quiser se aventurar em pesquisar esse período da história de Friburgo, deve fazer como nos recomenda Richard Ihns: “Diga a verdade e saia correndo.”

Janaína Botelho é autora do livro O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX. Para ler as matérias anteriores acesse historiadefriburgo.blogspot.com

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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