Dia das Crianças: o que dizer dessa data?

segunda-feira, 12 de outubro de 2015
Foto de capa
Crianças pobres descalças brincam com uma criança da elite

O que se pode dizer da história da criança friburguense? Inicialmente, que a sua história não difere muito da história das crianças do restante do país. Não há pesquisas locais nesse sentido, mas algumas imagens e artigos de jornais nos dão alguma pista. Essa data tem uma particularidade para Nova Friburgo. Quem introduziu essa novidade foi um político da terra, Galdino do Valle Filho. Como deputado, conseguiu a aprovação de seu projeto de lei instituindo essa data, 12 de outubro, comemorativa no calendário nacional como o Dia da Criança. Essa celebração existe no mundo inteiro, mas as datas variam de acordo com cada país. Havia em Nova Friburgo, no final do século 19, um enorme contingente de menores vagando pelas ruas da cidade. De acordo com o jornal O Friburguense, vagueavam “como fazem os animais sem dono”, vivendo na ociosidade, na vadiice desenfreada, não frequentavam a escola, andavam pelas ruas proferindo obscenidades, dando mostras dos maus costumes e inclinações perversas. Profissionais do “jogo do pau”, sabiam engatilhar uma arma de fogo trazendo ainda à cintura a indispensável faquinha, concluía. Solicitava-se das autoridades dar cobro de tal situação, pois “de pequenino é que se torce o pepino”. Era uma cena frequente no centro de Nova Friburgo, briga entre gangues de menores. O palco das rusgas era entre a Praça Getúlio Vargas e a do Suspiro. Começavam com escaramuças, desafiando-se entre si, e a seguir rolavam sopapos e bofetadas a junco. Quando não se enfrentavam com bofetões e varadas a vozearia era atroadora, apupando-se mutuamente e proferindo palavrões que amedrontavam os transeuntes. Gangues de meninos andavam armados com bengalas, varas de marmeleiro, canivetes e garrucha. Não há registro de furtos praticados por estes menores, referindo-se o jornal somente à algazarra, às brigas entre si e às provocações aos transeuntes. Circulavam ainda em grande número pela estação de trem aguardando a chegada dos mesmos. Travavam uma disputa desenfreada para prestar serviços aos passageiros que desembarcavam. Viviam aos sopapos nas estações disputando o privilégio de levar as bagagens, constrangendo os passageiros recém-chegados. Alguns subiam nos carros do trem ainda em movimento, um pouco antes da estação, para garantir o compromisso do passageiro, correndo o risco de serem feridos ou mortos. Muitas vezes, a disputa entre eles era tão acirrada que os passageiros ficavam amedrontados, permanecendo nos carros até que o sarrilho passasse. O guarda da estação os dispersava fazendo uso da vara de marmelo.  

Em princípios do século 20, as crianças eram geralmente cooptadas para trabalhar nas indústrias por representar uma mão de obra barata. Os ingleses inclusive criaram maquinário próprio para as indústrias têxteis adaptadas ao tamanho das crianças. Fábricas de bebidas, de tecidos, de chapéus, de charutos, de tijolos e oficinas eram mundos do trabalho nos núcleos urbanos no qual eram incorporadas. As indústrias têxteis empregavam boa parte da mão de obra infantil e as fábricas instaladas em Nova Friburgo, a partir de 1911, por empresários alemães, fizeram uso dessa mão de obra. Os dispositivos legais que regulamentavam a atividade de crianças nas fábricas e oficinas se encontravam nos Códigos Sanitários do Estado, como por exemplo, cinco horas diárias de trabalho, para a faixa etária de 12 a 15 anos. Leis federais e estaduais oscilavam na idade mínima para a admissão de crianças no trabalho, variando entre dez e doze anos.

Na iconografia de Nova Friburgo podemos ver crianças trabalhando em carpintarias, em fábricas, como engraxates e vendedores ambulantes. Chama a atenção o número de crianças pobres descalças pelas ruas no qual nem mesmo um tamanco lhes era acessível. Uma foto em frente ao famoso Hotel Engert é bem interessante. Dentro do hotel crianças da elite, bem vestidas, posam para uma foto. No momento da foto crianças que estavam na rua, das classes populares, se posicionam por fora da grade de ferro do respectivo hotel e aparecem na foto em primeiro plano. É curioso que o fotógrafo capturou esse momento não as expulsando. Nos dias de hoje, ainda não podemos celebrar o Dia da Criança. Os noticiários povoados de denúncias de pedofilia, de prostituição de menores e crianças trabalhando ainda em carvoarias e canaviais nos mostram que essa data é muito mais um dia para reflexão sobre a proteção que as crianças ainda carecem do que celebração propriamente dita.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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