Colunas
Colonos suíços e alemães: senhores de escravos
quinta-feira, 09 de maio de 2013
Os europeus quando chegaram ao Brasil se escandalizaram com a escravidão e o tratamento dado aos escravos. O colono suíço Hecht assim descreveu o cotidiano dos escravos em Nova Friburgo: “Repugnava-nos como algo totalmente inaceitável o drama dos escravos fugidos e dos recém-comprados. Com frequência, víamos passar por nossa cidade de Nova Friburgo negros fugidos que tinham sido capturados pelos caçadores contratados e que estavam sendo devolvidos aos donos. (...) Para quem se dedicava a essa maldita atividade, essa paga era suficiente. O negro que fugia pela primeira vez era espancado de forma horrível. Se fugisse uma segunda vez, era novamente espancado brutalmente, mas isso não era tudo: uma corrente era presa ao seu corpo, com uma parte pendendo para baixo, por meio da qual as pernas eram presas a uma argola. A corrente lateral era soldada a outra argola. Nessa miserável condição, com o corpo todo apertado, ele tinha de trabalhar e dormir. Quando dois escravos fugiam juntos, eram depois acorrentados juntos a uma argola e assim forçados a trabalhar. Se o escravo fugisse pela terceira vez e fosse preso, era então transportado para o matadouro da cidade do Rio de Janeiro, onde todos os dias recebia cem chibatadas. Outros eram amarrados a um poste numa praça pública inteiramente nus, e cruelmente surrados”.
Apesar do impacto inicial de verdadeira repulsa provocada em alguns suíços, o certo é que em pouco tempo logo se adaptaram a forma de organização do trabalho no Brasil, adquirindo escravos. A própria Sociedade Filantrópica Suíça, constituída por negociantes suíços e com sede no Rio de Janeiro, subsidiava a aquisição de escravos para os colonos suíços. O colono suíço Henri Bom, na iminência da lei de 1830, que proibia do tráfico de escravos, escreveu ao seu irmão: “Com o pouco que possuo agora eu nunca teria dificuldades para viver, pois já tenho terra suficiente para plantar os víveres de primeira necessidades e já que possuo dois negros e a mim mesmo para trabalhá-la, não terei problema para viver, mas também não progrediria. Se ao contrário eu pudesse comprar ainda alguns negros, então as coisas funcionando em maior escala. (...) Eu gostaria então, que o envio dos recursos de que me falas (...) possa realizar-se o mais breve possível, a importação de negros devendo ser interrompida no final de dezembro, eis o rumor que corre, porem isto ainda não está bem definido. Acontecendo o que acontecer eles chegarão de contrabando e será possível comprá-los, mas a um preço excessivo. Eles valem dois mil francos o indivíduo, então quanto mais rápido for o envio, tanto melhor...” (BOM, Henrique. “Os suíços e a escravidão”).
O colono Jeremie Lugon igualmente escreveria: “O café de Cantagalo é bem cotado e procurado pelos compradores do Rio de Janeiro, onde constitui um dos principais ramos do comércio. Nós compramos, no ano passado, um escravo preto que nos custou 1.812 francos franceses. Os negros estão se tornando cada vez mais raros e mais caros; agora podemos vendê-los por 3.000 francos. Em 1821 e 1822 eles valiam apenas 600 francos; desde então aumentaram consideravelmente de preço por causa dos obstáculos que as grandes potências da Europa colocaram para o tráfico” (Ibidem).
Gisele Sanglard em “Nova Friburgo: entre o iluminismo português e a gênese bíblica”, nos informa que os suíços logo aderiram às práticas da escravidão. Pierrre Gendre se assusta e se choca com a fácil adoção da escravidão por seus conterrâneos. Em correspondência, assim relata: “Em relação ao comércio de escravos ou de negros, eu vos direi que os encontramos em lojas em número de 50 ou mais. Chegando da África, eles estão todos nus, a exceção de uma pequena toalha ao redor dos rins, que lembra um cinto; eles não conhecem outra língua que seus dialetos. Seus compradores os examinam, como cavalos que queremos comprar. Estes infelizes são obrigados a correr, a saltar, a dançar e a peça desta mercadoria humana custa de 600 a 1200 francos franceses!!! Apesar deste preço, os negros são mais baratos que os outros empregados; eles aprendem tudo que queremos, se nos damos ao trabalho de os instruir, pois eles são inteligentes, dóceis, obedientes, polidos, fortes e robustos, comem somente legumes, mandioca, carne seca e peixes. Eles não estragam roupas, dormem no chão ou sobre esteiras de junco e como eles são propriedade de seus senhores, eles não vão correr de um a outro para os trair. Os senhores Mandrot de Morges, Graffenried, Schmid, Morell etc. de Berne se encontram aqui, e se propõe adotar a cultura; eles compraram para este efeito negros, que os custou mais ou menos 1200 fr. a peça”.
Mas os alemães não ficaram atrás. O alemão Hanfft que visitou a vila de Nova Friburgo, reportando notícias dos colonos alemães que para lá migraram em 1824, assim escreveu: “Achei aquela boa e laboriosa gente muito satisfeita, morando em casas cômodas, possuindo bom gado, a alguns até senhores de escravos, em maneira que ninguém mostrava desejos de deixar a sua nova pátria, tanto mais que o governo tinha publicado a tempos que qualquer que achasse o seu terreno [terras] pouco ou mau, escolhesse outro melhor ou maior. Muitas famílias possuem tantas terras e tão férteis, que os seus filhos e netos jamais chegarão a cultivá-las”. Nova Friburgo, idealizada para abrigar um núcleo de colonos cujo paradigma era a organização do trabalho com base na mão de obra livre, acabou fugindo a esse propósito. Os colonos se deixaram seduzir pelo uso do braço escravo, e o impacto inicial de rejeição à escravidão foi logo superado pelo interesse econômico.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página “História de Nova Friburgo”.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário