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Colonos e mercenários alemães
quinta-feira, 22 de maio de 2014
Em fevereiro de 1825, cinco mercenários alemães, acorrentados uns aos outros como um libambo de escravos, chegavam à vila de Nova Friburgo. Tinham sido detidos em Cantagalo acusados de deserção do incipiente Exército brasileiro. Com a independência do Brasil, uma decepção de D. Pedro I: as tropas brasileiras não passavam de milícias mal armadas e indisciplinadas. A maior parte era formada por "vagabundos” e delinquentes recrutados na base do "pau e da corda”. Os recrutas eram conduzidos acorrentados de suas cidades até o quartel do Rio de Janeiro. Os mais rebeldes portavam gargalheiras, coleira de ferro com uma pua utilizada em escravos fujões, e os recrutadores iam baixando o sarrafo nos desaforados enquanto os conduziam. As Forças Armadas eram temidas devido aos castigos corporais e o chicote era um recurso utilizado diante do desvio de conduta. Não havia exercícios militares e a cachaça corria solta nos quartéis. Diante desse quadro, a solução foi a contratação de mercenários.
A imigração dos primeiros alemães ao Brasil está relacionada com a organização do Exército nacional. Como os países proibiam a emigração de ex-combatentes, as autoridades brasileiras dissimulavam misturando colonos aos mercenários. Schäffer foi o agente escolhido para cooptar mercenários e alguns colonos nos Estados Alemães. Viajariam às custas do governo brasileiro, serviriam durante seis anos e depois receberiam datas de terras. Nova Friburgo nunca esteve nos planos de Schäffer. Os imigrantes alemães destinavam-se às colônias de Frankenthal e Leopoldina, na Bahia. Mas por que os colonos dos navios Argus e do Caroline foram parar na vila de Nova Friburgo? Como nos dois primeiros navios, vieram mais colonos do que desejavam as autoridades brasileiras; a fracassada colônia de suíços instalada no distrito de Cantagalo teria sido ideal para abrigá-los. As terras abandonadas pelos suíços lhes seriam outorgadas e o núcleo colonial necessitava ser revitalizado. D. Pedro I desejava soldados e não colonos.
O primeiro navio trazendo cidadãos alemães, o Argus, chegou ao Rio de Janeiro em 7 de janeiro de 1824. Já o Caroline chegaria em 14 de abril do mesmo ano. O Argus trouxe 134 colonos e 150 soldados e o Caroline 180 colonos e somente 51 soldados. Sob protestos, esses colonos seguiram para Nova Friburgo. Em 3 de maio de 1824, chegaram a essa vila 342 colonos. Consistiam, na maioria, em agricultores, havendo ainda alfaiates, moleiros, vidraceiros, cordoeiros, sapateiros, relojoeiros, carpinteiros, ourives, etc. As terras abandonadas pelos colonos suíços, impróprias à agricultura, foram distribuídas entre os colonos alemães. Por serem de má qualidade, metade desses colonos que imigraram para Nova Friburgo dirigiu-se para Macaé de Cima, Cantagalo, Barra Alegre e Rio Bonito. O alemão Hanfft, que visitou a vila Nova Friburgo em 1826, escreveu: "...O terreno desta colônia é péssimo, e por esse lado ela é particularmente censurada. Contudo, achei aquela boa e laboriosa gente mui satisfeita, morando em casas cômodas, possuindo bom gado, alguns até senhores de escravos, em maneira que ninguém mostrava desejos de deixar a sua nova pátria, tanto mais que o governo tinha publicado há tempos que qualquer que achasse o seu terreno[terras] pouco ou mau, escolhesse outro melhor ou maior....”
Alguns mercenários, ao darem baixa no Exército Imperial, imigrariam para Nova Friburgo. Friedrich Gustav Leuenroth (1800-1880), mercenário que serviu no Batalhão de Estrangeiros, depois da dar baixa, migrou para Nova Friburgo inaugurando a primeira casa de banhos na vila e posteriormente o Hotel Leuenroth. Carl Friederich Engert se casaria com a filha de Leuenroth e abriria mais um hotel, o Hotel Engert, um dos mais frequentados pelos cariocas ao final do século 19. Outros mercenários também vieram para Nova Friburgo: Paul Leuenroth (hoteleiro); Johannes Brust (tanoeiro e cervejeiro); Gottlob Friedrich Orberländer (marceneiro); Johann Kehr (ferreiro e agricultor); Heinrich Albert Köhrenkamp (marceneiro e agricultor); Franz Anton Reiff, do Batalhão de Caçadores; Johann Daniel Schwab (sapateiro e agricultor) do Batalhão de Granadeiros; Jacob Winter, do Batalhão de Fuzileiros; Johann Jacob Wolf (alfaiate e agricultor), sargento do Batalhão de Granadeiros, entre outros. Finalmente, Albano Beauclair instalou, em 1893, uma importante cervejaria, fabricando a famosa cerveja Friburgo Brau, além de um biergarten, na entrada da cidade. Cumpre destacar que, anteriormente, cerca de duzentos colonos suíços haviam abandonaram o Núcleo Colonial de Nova Friburgo em troca de um soldo fixo no Exército Imperial e a possibilidade de se instalarem onde bem entendessem após três anos de serviço militar. E assim, a proximidade de Nova Friburgo com a Corte a coloca, volta em meia, inserida no cenário da construção do Estado Nacional.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de
diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
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Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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