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Colonização e imigração: como contar a sua história? - Parte 2
quarta-feira, 02 de julho de 2014
O braço escravo dos africanos igualmente participou da construção do município e, na sua condição de forçados, ajudaram a escrever a história da cidade serrana. Quanto aos afrodescendentes, restam esparsas referências. Muitos vieram de Cantagalo para Nova Friburgo por ocasião da decadência cafeeira nesse município, se fixando em bairros periféricos. Sabe-se que em locais de majoritária concentração de brancos, a participação de afrodescendentes na organização social é dificultada, o que foi o caso de Nova Friburgo, por ter recebido imenso fluxo de imigrantes europeus. Fazem eventos para resgatar a autoestima do africano nas escolas, nos sindicatos e associações de moradores. Lutam para colocar a imagem do africano não apenas como escravo, mas em outros aspectos da vida cotidiana. Nova Friburgo teve um prefeito negro, Feliciano Costa, comandante do Sanatório Naval. Você é mesmo de Nova Friburgo? Essa é uma pergunta que até alguns anos atrás muitos afrodescendentes ouviam de moradores de outras cidades quando se diziam originários de Nova Friburgo. As pessoas estranhavam haver negros nessa cidade serrana por possuir uma representação muito voltada para a colonização suíça e alemã.
O decreto municipal n°47 de novembro de 1983 institucionalizou o movimento negro e igualmente a sua bandeira. Nesse documento, se reconhece que na história do município, quando os colonos suíços aqui chegaram, já encontraram negros a mourejar na construção dos alicerces sobre os quais se construiria Nova Friburgo. Na justificativa do decreto, afirma-se que o povo friburguense deseja redimir-se das injustiças praticadas contra os seus irmãos negros no decorrer de sua história. A bandeira do movimento negro é composta de três faixas horizontais, de igual largura, com as seguintes cores e respectivas representações: vermelho, representando o sangue e a vida dos povos negros; o preto, representando esses mesmos povos; e finalmente o verde, que representa a esperança de dias melhores e igualmente a natureza, com o que os negros sempre souberam conviver harmonicamente. Logo, Nova Friburgo goza de uma particularidade. Foi o primeiro município no Brasil a hastear a bandeira pan-africana junto com as bandeiras oficiais, estendendo essa prática para outros municípios como Além Paraíba, Carmo, Tombos, São Gonçalo e Rio de Janeiro.
Nova Friburgo foi o primeiro núcleo colonial alemão do Brasil. Foi pioneiro, mas não soube preservar a cultura alemã como as outras cidades que igualmente receberam colonos. Eles se concentraram em Amparo, Vargem Alta, Lumiar e São Pedro. Chegaram em 1824 para dar fomento a vila, que perdera significativo contingente de colonos suíços e estes souberam aproveitar as poucas oportunidades tornando-se agricultores morigerados. Em 1911, o empresário alemão Julius Arp implantou indústrias têxteis em Nova Friburgo juntamente com Maximilianus Falck e Otto Siems: as fábricas de Rendas Arp, Ypu e Filó. Posteriormente, outros alemães estabeleceriam indústrias metalúrgicas. Pode-se afirmar que esses empresários alemães mudaram a história de Nova Friburgo, colocando-a na fase industrial. A população friburguense e a imprensa teciam-lhes preito pelos novos empregos gerados por suas indústrias. No entanto, essa relação amistosa termina a partir do fim da Segunda Guerra Mundial(1939-45). Italianos e alemães manifestavam-se publicamente em Nova Friburgo em prol do nazismo e do fascismo. Com o fim da guerra, pagam um preço caro. Os italianos, protegidos pelo conterrâneo Dante Laginestra, que foi prefeito na cidade, ficaram blindados das perseguições políticas. Conseguiram a recuperação de um importante imóvel que havia sido desapropriado pelo governo brasileiro. No entanto, a maior parte das famílias germânicas ficaram vulneráveis. A Escola alemã (hoje SEF) foi-lhes tomada, a arquitetura em estilo alemão proibida, e mesmo pequenas gravuras feitas em metal ou em madeira pintadas e colocadas nas fachadas das residências, próprias da cultura alemã, tiveram que ser removidas. Os instrumentos musicais da Euterpe Lumiarense, fundada pelos alemães, alimentaram as fogueiras da inquisição friburguense, além dos livros de música, carrilhões, enfim, tudo o que remetesse à cultura alemã. A fúria da turba se voltou inclusive para os tão acalentados empresários alemães e um deles teve a fábrica inundada. O empresário Julius Arp teve o seu nome retirado da praça Marcílio Dias. Nem ricos nem pobres foram poupados. O delegado de polícia reuniu todas as entidades alemãs e recomendou que não se falasse mais o alemão em Nova Friburgo, para sua própria segurança. Humilhados, os alemães foram detidos e literalmente encurralados na Praça do Suspiro, de acordo com a memória oral, para averiguação. É muito provável que depois desse acontecimento, os alemães tenham recuado em sua participação nas atividades sociais em Nova Friburgo. Discretos, se mantiveram reservados, se concentrando no bairro de Mury, isolando-se do centro da cidade. Continua na próxima semana.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de
diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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