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Colmeia de trabalho: a agonia da Fábrica Ypu
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
Exatamente hoje, 13 de fevereiro, a Fábrica Ypu de tecidos e couro será leiloada na Vara do Trabalho desse município. Trata-se de um complexo industrial com 305 mil metros quadrados, 30 mil metros quadrados de área construída, onde funcionava a fábrica, uma extensa área verde e um núcleo residencial com 30 casas distribuídas em três alas, a maioria habitada. O complexo industrial foi avaliado em R$28 milhões. Os friburguenses assistem, mais uma vez, um dos gigantes da indústria ser leiloado, ou mesmo arrendado, como foi o caso de outro grande complexo industrial, a Fábrica de Rendas Arp. Testemunho de uma era industrial, o extenso e majestoso complexo da Fábrica Ypu fala por si mesmo, símbolo de um período na história de Nova Friburgo que poderíamos definir como de prolífero impulso econômico, que teve lugar entre o primeiro e o terceiro quartel do século XX. E como tudo se iniciou? O timoneiro do processo industrial foi Julius Arp, que incentivou Maximilianus Falck e Otto Siems a igualmente estabelecerem indústrias em Nova Friburgo, se tornando, inclusive, sócio dos mesmos. Surge então, na segunda década do século XX, a trindade teutônica composta por Arp, Falck e Siems, fundadores das fábricas de Rendas Arp, Ypú e Filó, respectivamente. Segundo o jornal O Friburguense, em 1935, mais de três mil operários encontravam-se empregados nessas fábricas, verdadeiras "colmeias de trabalho”. Os sons dos tamancos de madeira dos operários passam a ser ouvidos nas frias madrugadas de Nova Friburgo. Anos mais tarde, serão suas bicicletas a cruzarem a cidade, saindo os operários dos bairros periféricos rumos às colmeias de trabalho. A pacata cidade de veraneio consolida-se como um centro industrial, na terceira década do século XX.
Maximiliano Falck, diretor presidente e fundador da Sociedade Anônima Fábrica Ypu, instalara sua indústria em 1912. Há referências de que ele ganhara o terreno onde a fábrica se estabelecera dos Sertã, uma importante família de imigrantes portugueses, estabelecidos desde o final do século XIX em Nova Friburgo. A "cidade Ypu”, como denominou a imprensa local, era especializada em passamanaria, produzindo ligas, cintos, suspensórios, cadarços e elásticos. Posteriormente, ampliou suas atividades para acessórios de couro. Os chefes das seções eram, em sua maioria, alemães e nos parece que o braço direito de Falck foi o executivo Emill Cleff, cujo pai possuíra uma fábrica de passamaria na França. No entanto, na Primeira Guerra Mundial, a fábrica de seu pai foi bombardeada. Cleff veio então para o Brasil em 1921, e em seguida para Nova Friburgo. Começou a trabalhar na Fábrica Ypu, como gerente, e paulatinamente a indústria foi cooptando mão de obra especializada, que dificilmente encontraria na veranista Nova Friburgo. Durante a Primeira Guerra Mundial, navios alemães da Marinha Mercante foram detidos nos portos brasileiros e alguns dos prisioneiros foram enviados para Nova Friburgo, instalados então no Sanatório Naval. Maximilian Falck, que dava assistência aos alemães aprisionados no denominado Campo de Internação, cooptou muitos desses alemães para trabalharem com as complexas máquinas das nascentes indústrias. Igualmente, muitos técnicos alemães vinham de fora da cidade e do país, a exemplo Harold Pockstaller, outro alto executivo dessa indústria.
A Fábrica Ypu passou por uma crise financeira, como outras congêneres, reflexo de uma nova ordem econômica mundial. No entanto, há indícios de que os herdeiros e sucessores de Falck tenham concorrido para a falência da indústria. Demitiram altos executivos que possuíam expertise da empresa e daí a velha máxima na história das empresas nacionais: Pai rico, filho nobre, neto pobre. Foi decretada a concordata da Fábrica Ypu e adquirida nessa condição por Willian Khoury. Porém, a agonia financeira da empresa não cessava, até que finalmente veio a ser administrada pelos operários. O seu destino não foi diferente das outras indústrias contemporâneas que se instalaram em Nova Friburgo, a partir de 1911: a falência.
Ainda hoje, muitos ex-funcionários podem contar a história dessa gigante. Caberia um registro histórico da memória dessa centenária indústria. A Fábrica Ypu foi de um tempo em que se entrava na empresa e se trabalhava toda uma vida, alcançando até mesmo a terceira geração de uma mesma família. Por isso, antigos funcionários falam de seu outrora emprego e de "suas máquinas” com muito saudosismo. O trabalho de toda uma vida reforça a camaradagem com os colegas e o vínculo com a empresa. Não devemos com isso ocultar as tensões sociais, o conflito entre o trabalho e o capital, pois há inúmeros relatos do rigor a que eram submetidos os operários nas fábricas sob a égide dos alemães. Mas foi um tempo em que, apesar dessas tensões, trabalhavam a vida inteira na mesma indústria, alguns operários recebiam casas para residir e tinham o time de futebol do qual exibiam orgulhosamente a camisa da empresa que trabalhavam. Fica aí o registro de uma das colmeias de trabalho da trindade teutônica.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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