Colégio Anchieta: fé e ciência - Parte 3

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O Colégio Anchieta foi fundado para receber alunos internos da elite no Brasil Império. Possivelmente o médico Carlos Éboli quando incentivou a Companhia de Jesus a trazer um estabelecimento de ensino para Nova Friburgo imaginava dar prosseguimento ao antigo Colégio Freese, do inglês John Freese, que em meados do século 19, recebera muitos alunos internos vindos do Rio de Janeiro.

Instalado inicialmente na sede da Fazenda do Morro Queimado, os estudos preliminares para a construção do Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, foram realizados sob o reitorado do padre Domingos de Meis. Já a construção ocorreu na administração do padre peruano, Luís Yabar. A edificação do Anchieta deve muito ao imigrante espanhol Francisco Vidal Gomes, natural de Pontevedra, na Espanha, que executou a obra gratuitamente em um tributo de amor e fé pela morte precoce de sua esposa.

Por trás da profissão de fé uma tragédia familiar. Ele perde sua jovem esposa, Eliza Vidal, vítima de tuberculose, que lhe dera quatro filhos. Francisco Vidal já trabalhara no Colégio do Caraça, em Minas Gerais, e possivelmente em razão disso foi convidado pelos jesuítas para execução do projeto.

A sua maior façanha na edificação do colégio são as escadas em peroba, de puro encaixe, não tendo levado nenhum prego. Além de nada cobrar pelo seu trabalho, Francisco Vidal deixou ainda alguns bens como herança ao colégio. Os padres jesuítas sempre foram muito gratos a Vidal e uma pintura sua repousa na parede da sala principal da reitoria do Colégio Anchieta em sua memória.

A construção seguiu o rito maçônico de assentamento da pedra fundamental. A cerimônia foi coordenada por um grão-mestre na presença de autoridades locais. Dentro de uma pedraenorme, escavada, virando uma urna, a planta do colégio, inserida em um tubo metálico, foi depositada juntamente com jornais, notas e moedas.

A seguir a pedra foi vedada com argamassa com uma colher de pedreiro de prata feita especialmente para essa solenidade. Próximo ou acima da pedra fundamental se iniciou a construção. “Omnia ad Majorem Dei Gloriam”: tudo para a maior glória de Deus. Expressão de Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus.

O Colégio Anchieta, em estilo eclético, com predomínio do neoclássico, faz jus a essa frase. O teatro, em estilo artnoveau, obra do artista Mecozzi, é uma das maiores preciosidades de sua construção. A dramaturgia sempre foi uma tradição do Colégio Anchieta. Seu pano de boca é uma raridade, obra do padre Prósperi, que representa o padre Anchieta em sua última visita ao Rio de Janeiro, em 1594, quando assistiu a construção da Fortaleza de Santa Cruz.

Prósperi foi igualmente o escultor da maioria das estátuas e construtor da igreja de Duas Pedras. A padroeira do colégio é a virgem Imaculada, cuja imagem domina no pátio interno onde foi colocada em 1904. Merece notadamente destaque a Capela Mater Pietatis, de uso exclusivo dos padres jesuítas e dos noviços. A capela é toda em madeira, trabalhada em delicada marcheteria, no estilo gótico.

O Colégio Anchieta aparecia aos olhos de quem chegava a Nova Friburgo como um imponente e majestoso monumento de rara audácia arquitetônica, assim o descreveu um editorial da Revista Lanterna. A primeira turma a se formar no colégio, em 1901, teve como paraninfo o conde Fernando Mendes de Almeida, pai do professor Candido Mendes de Almeida, proprietário e reitor da Universidade Candido Mendes. Foi nessa turma que se formou D. Luciano Mendes de Almeida, que acabou se tornando padre e conhecido no Brasil pela defesa dos direitos humanos. Foi paraninfo de uma das turmas Rui Barbosa, que escolheu o Anchieta para educar o seu filho, assim como o fez Euclides da Cunha.

Fora no Colégio Anchieta, em discurso célebre, que Rui Barbosa se reaproximara da Igreja, apagando a má impressão causada nos meios ortodoxos católicos pela sua introdução ao livro O Papa e o Concílio. O seu discurso no Colégio Anchieta teve uma repercussão extraordinária na imprensa de todo o Brasil, sendo considerado uma de suas obras-primas, sua profissão de fé e testamento político.

O poeta Carlos Drummond de Andrade veio de Minas Gerais se educar no Colégio Anchieta. Sua expulsão do colégio é justificada pela irreverência do intelectual em contraste com o rigor militar preconizado pelos jesuítas. Continua na próxima semana

  • Foto da galeria

    A edificação do Anchieta deve muito ao imigrante espanhol Francisco Vidal Gomes, que executou a obra gratuitamente em um tributo de amor e fé pela morte precoce de sua esposa.

  • Foto da galeria

    A sua maior façanha na engenharia são as escadas em peroba, de puro encaixe, não tendo levado nenhum prego

  • Foto da galeria

    Capela Mater Pietatis, de uso exclusivo dos padres jesuítas e dos noviços. Toda em madeira, no estilo gótico

  • Foto da galeria

    O pano de boca é obra do Padre Prósperi, que representa o padre Anchieta em sua última visita ao Rio de Janeiro, em 1594, quando assistiu a construção da Fortaleza de Santa Cruz

TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.