Clube de Xadrez: início do fim?

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Na matéria de hoje, não tenho como deixar de dialogar com o editorial de A VOZ DA SERRA, "Fim e Início”, publicada em 9 de setembro deste ano. Trata-se de um editorial clamando pela preservação do tradicional Clube de Xadrez, palco de inúmeras festividades, de carnavais memoráveis com a Banda da Bola Branca, integrada por músicos das sociedades musicais Euterpe e Campesina. O editorial ganha importância quando chama a atenção de que o Clube de Xadrez é alvo de empreendimentos imobiliários, já que o seu ponto comercial é altamente valorizado. Comungo com o editor do jornal de que a população de Nova Friburgo não pode se calar assistindo inerte à destruição de mais um patrimônio histórico, como foi o caso do Teatro D. Eugênia, da Casa de Madame Santana, da Casa de D. Vitalina, da Casa de Rui Barbosa, entre outras. Em frente a esse clube uma linda residência foi destruída, me parece pertencente a família Pockstaller, para dar lugar a quê? A um terreno baldio desapropriado pela Prefeitura Municipal. A propósito, a história da destruição dessa residência, com afrescos em suas paredes de artistas italianos que imigraram para Nova Friburgo, é nebulosa. Mas hoje o foco é o Clube de Xadrez. 

O Clube de Xadrez surgiu como outros clubes sociais em meados do século 20. Até então o espaço de sociabilidade da elite friburguense ocorria nos hotéis da cidade, sendo os mais exponenciais os hotéis Central, Salusse e Engert. Era o tempo das soirées que se estendiam madrugada adentro. O Clube de Xadrez era formado pela elite friburguense de ricos comerciantes, diretores executivos das indústrias recém criadas no município e profissionais liberais. Funcionou inicialmente no antigo Hotel Salusse, depois se instalou em cima de uma confeitaria, onde é a Predial Primus, antes de construir sua nova sede em estilo mourisco na Praça do Suspiro. Quando ainda funcionava na Praça Getúlio Vargas, da sacada do seu prédio vinha um saxofonista que tocava o retumbante instrumento, avisando que o baile já iria começar, segundo registra a memória dos que viveram essa época. Porém, ainda de acordo com a memória local, começaram a adquirir títulos do clube pessoas da classe média, possivelmente pequenos comerciantes e alguns operários. Em razão disso, a elite local começou a procurar uma nova sede, formando um clube mais exclusivista. Para tanto, adquiriram a propriedade dos Guinle, outrora casa de campo da família do Barão de Nova Friburgo, e o denominaram de Country Club. Um clube seleto, o valor do título e mensalidade estabeleceu fronteiras sociais entre os clubes de serviço da cidade. No Country Club frequentariam somente grandes empresários, ricos comerciantes e profissionais liberais. Nos demais clubes, a classe média baixa. 

Mas a sociedade tem lá o seu ritmo de mudança e os clubes de serviço não atendem mais aos anseios das classes altas e médias e todos esses outrora aclamados espaços de sociabilidade agonizam, sem exceção. Cada um deles tem procurado se manter buscando alternativas. Vejamos o exemplo do Country Club, que alugou a sua boate para a Universidade Candido Mendes, abrigando a Escola de Gastronomia. Esse estabelecimento tem trazido famosos chefs de cozinha e dado treinamento aos profissionais de restaurantes e empreendedores, melhorando a mão de obra local nesse tipo de prestação de serviço. Esse é um exemplo de adaptação às mudanças sociais, pois é notório que a cozinha das residências, espaço gourmet, se transformou atualmente em um local de sociabilidade. O Country Club soube adaptar-se à essa transformação. No caso do agônico Clube de Xadrez, metade de seu espaço foi arrendado pela Prefeitura Municipal e vem sendo ocupado por atividades sociais para terceira idade. Igualmente uma adaptação aos novos tempos, em que a população brasileira vem perdendo a sua carinha jovem, a expectativa de vida aumentando e pessoas idosas buscam espaços de lazer e de sociabilidade. No segundo caso, como a ocupação do espaço vem sendo feita por órgão público, sabe-se que a gestão é precária, mormente na conservação de suas instalações. Temos presenciado países com altos índices de crescimento urbano que paralelamente buscam preservar seu patrimônio histórico. O progresso não significa romper elos com o passado. Parece-nos que a Prefeitura deseja desapropriar o Clube de Xadrez, mas nada é oficial ainda. Parafraseando o título do editorial "Fim e Início”, indagamos: seria o início do fim do Clube de Xadrez? 


Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo.  Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”


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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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