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Casas de pau-a-pique: uma memória afetiva
As primeiras casas construídas no Brasil foram de taipa, sistema de construção que usa o barro molhado. Isolante térmico e que não pega fogo com facilidade, a taipa é utilizada na construção desde a antiguidade no mundo. Não existe consenso entre os historiadores sobre a origem desse modo de construção no Brasil. Entende-se que possa ser resultado da simbiose de matrizes portuguesas, indígenas e africanas.
No Brasil, esse tipo de construção foi largamente utilizado desde o período colonial até praticamente o início do século 20, e neste último século, notadamente nas áreas rurais. O uso de paredes de pau-a-pique era muito comum por ser um estilo de construção feito com materiais encontrados na própria natureza. São muitas vezes associadas apenas às residências rurais já que a maioria da população vivia no campo.
Existem dois tipos de técnicas de taipa, a taipa de mão, igualmente denominada de pau-a-pique, a taipa de sopapo, a taipa de sebe e o barro armado. É indevidamente denominada de casa de estuque no noroeste fluminense, sendo incorreto, pois no estuque entra outra composição de materiais. Trata-se de uma técnica que consiste no entrelaçamento de madeira ou bambu ou pau roliço ou taquara, na vertical, fixados no solo. Cipós ou outro material amarram a trama.
O barro e a água são amassados com os pés ou com o pilão até se obter uma massa compacta que é misturada a fibras vegetais, a exemplo do capim ou da palha. Alguns acrescentavam sangue e estrume de gado. Os vãos são preenchidos com essa mistura. Em lados opostos, na parede interna e externa, ficavam duas pessoas e ambas atiravam o barro ao mesmo tempo contra a estrutura de madeira formando as paredes da casa.
Quando a massa socada atinge mais da metade da parede recebe, transversalmente, pequenos paus roliços envolvidos em folhas, geralmente de bananeiras, que produzem orifícios cilíndricos para o formato de novas paredes. Essa técnica é usada para formar tanto as paredes internas como as externas. Uma base de pedra é colocada sob a casa, nas extremidades, afastando-a do solo aproximadamente entre 50 a 60 centímetros para evitar a umidade do chão.
O telhado é formado normalmente por palhas de sapê e as paredes não se estendem até o teto, possivelmente para facilitar a circulação do ar. A casa poderia receber acabamento alisado ou ainda caiação. O cal servia para evitar a proliferação de insetos. A construção de pau-a-pique quando mal executada pode se degradar em pouco tempo, apresentar rachaduras e fendas, se tornando alvo de roedores e insetos que se instalam nas aberturas. Por isso, esse tipo de residência é geralmente associado ao barbeiro, inseto transmissor da doença de chagas. Todavia, quando devidamente rebocada não há o perigo da instalação do barbeiro nas paredes.
Encontrei residências de pau-a-pique nas localidades de Galdinópolis e Rio Bonito, no distrito de Lumiar, em Amparo e em São Sebastião do Paraíba, distrito de Cantagalo. Na realidade, realizava outro trabalho, mas esse tipo de residência sempre desperta a minha atenção e parei para fazer o registro delas. Umas são ainda habitadas e outras servem como depósito de materiais. Ainda que estejam assentadas em sítios, havendo muito terreno, seu tamanho é muito pequeno. Arriscaria dizer em torno de 40 metros quadrados. Mas o tipo de vida era outro e não do burguês lar doce lar.
No passado, as pessoas passavam o dia inteiro no campo cuidando da lavoura desde as primeiras horas do dia. Quando retornavam às suas casas faziam uma refeição e iam logo em seguida repousar. Os corpos cansados da labuta no amanho da terra, a ausência de luz, o custo de acender os lampiões, tudo isso contribuía para que essas residências fossem apenas dormitórios.
Curiosamente, esse tipo de construção virou moda e muitas pessoas atualmente optam por casas de pau-a-pique por serem ecologicamente corretas. Não obstante serem providas de algum conforto revela uma memória afetiva de como viveram os nossos antepassados.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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