Carta aberta aos professores municipais de Nova Friburgo

quinta-feira, 03 de abril de 2014

Na matéria de hoje, gostaria imensamente de atingir um público determinado: os professores da rede municipal de ensino. O motivo é em virtude do aniversário de Nova Friburgo que se aproxima e se celebra no dia 16 de maio. Nessa ocasião, é notório certo burburinho nas escolas, já que é pedagógico e politicamente correto lembrar a data entre o alunado. No entanto, percebo que as escolas têm tido uma visão míope e limitada sobre a história de Nova Friburgo e esclareço o porquê de minha crítica. É corrente que o tema que as escolas demandam pesquisas entre os discentes é notadamente sobre a formação do município. Entra a história do mito de origem em que o ato fundador tende à sacralização, articulando uma representação glamourizada dos acontecimentos que deram início a esse processo. Nasce o mito, que com sua força criadora dá sentido, organiza, hierarquiza, seleciona e atribui valores de positividade para construir uma resposta à questão universal que todos indagam: de onde viemos? Não me canso de citar Sandra Pesavento quando me refiro à fundação de Nova Friburgo.

Perfeito, se nossos docentes se limitam a esse recorte temporal da história local, ou seja, o da fundação de Nova Friburgo, deveriam entrar mais profundamente nessa história. Não foi em Nova Friburgo que D. João VI escolheu para estabelecer uma colônia de suíços, e sim, em Cantagalo. Logo, a história desse município deveria estar destacada em nossas origens. Nova Friburgo não existia quando os suíços aqui chegaram. Os primeiros colonos suíços se estabeleceram em Cantagalo no final do ano 1819, instalando-se em moradias na Fazenda do Morro Queimado, que pertencia a esse distrito. No ano seguinte, mais precisamente em 3 de janeiro de 1820, foi que nasceu oficialmente Nova Friburgo. Sim, professor, adivinho o seu pensamento. A data da assinatura do decreto, em 16 de maio de 1818, estabelecendo uma colônia de suíços, não é a data correta para a comemoração do aniversário do município, e sim, 3 de janeiro, sua fundação oficial. 

Chamo a atenção para Cantagalo, já que não podemos desprezar o município que deu parte de seu território para fundar a colônia de suíços. Se estamos entrando no mito fundador, Cantagalo não pode ser dissociado da formação de Nova Friburgo, mesmo porque, poucos anos depois que os suíços chegaram, a maior parte se deslocaria para as terras quentes daquele município, para dedicarem-se ao cultivo do café. Os colonos alemães fariam o mesmo, dirigindo-se para esse município, que por alguns anos, no Império, seria o maior produtor de café do Brasil. 

A história de Nova Friburgo é muito rica e instigante para ficar estacionada tão-somente na sua origem. O que foi feito dessa colônia, que não conseguiu manter os suíços e os alemães nos grilhões de seu Núcleo Colonial qual escravos africanos? Nova Friburgo sobreviveu graças a Cantagalo. Foram as tropas de mulas pejadas de café produzido por Cantagalo, que passavam pela vila serrana, que lhe fomentou o comércio. Foi, outrossim, a fama da salubridade de seu clima, fator determinante para o estabelecimento dos colonos suíços, que deu notoriedade à pacata vila. Essa circunstância provocou a convergência de doentes tuberculosos ao seu vale. O clima seco e frio era recomendado pela ciência médica aos que padeciam dessa doença, a peste branca do século XIX. O seu clima atraiu, igualmente, educadores renomados como o barão bávaro Herman de Tautphoeus, educador de Joaquim Nabuco, que lhe teceu preito em "Minha Formação”, e do afamado inglês John Freeze, que formou parte da elite política do Império em seu estabelecimento de ensino instalado nessas serras. Ambos procuraram no clima salubre de Nova Friburgo estabelecer colégios, já que se preconizava, naquela época, que a educação tinha melhores resultados em clima frio.

O trem, sim, o trem sobe a Serra, graças às fazendas de café do barão de Nova Friburgo em Cantagalo, e estamos novamente e tecer louvores e nos beneficiar desse município. E a febre amarela que grassava no Rio de Janeiro, capital do Império e da República, provocando uma debandada de veranistas cariocas a Nova Friburgo, que fugiam dos miasmas e da canícula até que Oswaldo Cruz interviesse na saúde pública. E no início do século XX, chegam os industriais alemães. Iluminam a veranista Nova Friburgo com energia elétrica e fomentam as máquinas de suas indústrias que necessitavam dessa energia. Substituindo as máquinas a vapor dos ingleses, os alemães fizeram a segunda Revolução Industrial. Nova Friburgo inicia uma nova fase, aumentando vertiginosamente a sua população com a migração interna. As indústrias, inicialmente têxteis, se expandem para a metalurgia. Na década de 40, Nova Friburgo abriga um dos maiores polos industriais fluminenses. Mas, professor, ainda havia muito mais a relatar... Não falamos da sociedade escravocrata que foi Nova Friburgo, das águas que curavam e levaram o médico napolitano, Carlos Éboli, a instalar o maior Instituto Hidroterápico da América Latina nesse município, nos legando o C.N.S. das Dores, antigo Hotel Central, anexo ao instituto, que hospedava os que acorriam ao tratamento da hidroterapia. Como é rica a história de Nova Friburgo. Por que nos limitamos nesse mito de origem e não levamos ao conhecimento dos alunos essa história total? Professor, bibliografia sobre o assunto não falta. 

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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