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“Carceragem cidadã”: passado e presente
O jornal A VOZ DA SERRA publicou uma matéria, no dia 27 de novembro, sobre a carceragem da Vila Amélia. A reportagem trata das péssimas condições deste setor de custódia, com celas mofadas, presos dormindo amontoados e os banhos feitos pelos detentos com garrafa pet. O conhecido “boi”, um buraco que fica no meio da cela onde os presos fazem suas necessidades fisiológicas, entupidos, causando um odor insuportável. “Masmorras medievais” e “campos de concentração” foi assim representada a carceragem pelo chefe da Polinter. A notícia foi ainda muito bem retratada na charge do Silvério simbolizando a carceragem como um barril de pólvora. A Câmara Municipal promoveu audiência pública, contando com a presença de delegados, cuja situação foi discutida, com algumas ações concretas já encetadas com o auxílio de uma comissão que se denominou de “carceragem cidadã”. Quando li a matéria me veio uma espécie de déjà vu, ou seja, aquilo que dá a impressão de já ter sido visto antes, e assim o foi. A casa de custódia atual de Friburgo, encontra-se na mesma situação desde o século retrasado. No século XIX, a precariedade da cadeia em nosso município sempre foi objeto de preocupação da Câmara Municipal, que tinha inclusive uma comissão permanente para tratar do assunto. Mas a preocupação, àquela época, não era tanto em função da dignidade dos presos, mas sim “a bem da salubridade pública”, podendo as cadeias, devido às suas péssimas condições de higiene, transformarem-se em um foco de doenças e serem transmitidas ao restante da população. Mas o problema das prisões não ocorre somente em Friburgo. O problema é nacional. A primeira prisão no Brasil foi, imaginem, o nosso próprio país. O Brasil era visto no século XVI como um lugar de desterro onde eram enviados homicidas, prostitutas, ladrões, enfim toda a canalha de que Portugal desejava livrar-se, e foi com esses indivíduos que iniciamos o povoamento do Brasil. Martin Nicoulin também nos informa que alguns suíços, tidos como criminosos, tiveram suas penas comutadas em degredo e incluídos entre as famílias suíças que migraram para Friburgo. Da transição de lugares de desterro até o condicionamento de pessoas em celas, o Brasil até hoje não resolveu o problema das péssimas condições da carceragem.
Na Colônia e no Império as cadeias eram, em todo o país, praticamente depósitos de escravos fugitivos. Em Friburgo, os “pretos do libambo”, escravos fujões detidos até que seus senhores os reclamassem, se confundiam com os presos da cadeia. A cadeia em Friburgo foi instalada numa das antigas casa dos colonos suíços, mas cuja construção, devido a má qualidade do material empregado, estava quase ruindo. Era comum os friburguenses oitocentistas darem garrafas de cachaça aos presos, passando-a por um pequeno gradil da cadeia. Na primeira metade do século XIX, a Câmara só alimentava os presos considerados pobres. Aos que não fossem indigentes, cabia à família alimentá-los. O Hospital da Santa Casa no Rio de Janeiro, alimentava os presos do Tribunal da Relação para que não morressem de fome. Mas é interessante que, já no final deste século, nas “comedorias” dos presos da cadeia de Friburgo, servia-se bacalhau às sextas-feiras: “....Dieta: Leite, caldo de galinha, canja, ovos, chá, bifes; Almoço: um pão de 200 réis com uma caneca de café; Jantar: feijão, carne seca, arroz, toucinho, carne fresca, de domingo a quinta-feira e bacalhau, às sextas-feiras.”
Finalizando, gostaria de sugerir à comissão da “carceragem cidadã” que, além do altruísmo de se preocupar com a dignidade humana, serem os seus membros também os timoneiros de um projeto de desocupação do prédio histórico em que a carceragem está localizada. No passado longínquo, vemos fotos do casarão onde se encontra a atual carceragem, rodeada de um pomar de pêras ferro. Entristece-nos constatar que onde está a atual casa de custódia, além de destruir um prédio histórico, não atende às condições físicas e de segurança que tal estabelecimento deveria ter. Em nome do patrimônio histórico, fica aí a sugestão.
Janaína Botelho é professora de História do Direito da Candido Mendes, pesquisadora e autora do livro O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX. mjbotelho@globo.com
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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