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A broa de planta dos Três Picos
A região de Três Picos era a entrada e saída de Nova Friburgo no século 19. Partindo de Cantagalo, as tropas de mulas carregadas de café das fazendas do barão de Nova Friburgo e de outros fazendeiros passavam pela vila de Nova Friburgo, seguindo por Três Picos. De lá desciam a Serra da Boavista.
Em 1924, a lei denúmero 1.809 criou, entre outros, o 3º distrito denominado de Terras Frias, como era conhecida essa localidade desde a fundação de Nova Friburgo. Por ser o mais alto, com 910 metros de altitude, deve esse nome à sua geografia. Em 1939, esse distrito passa a denominar-se Campo do Coelho, perdendo o charmoso nome de Terras Frias.
Na década de 1980, do século 20, os hortigranjeiros produzidos no distrito do Campo do Coelho representavam 25% do total dos produtos vendidos no Ceasa do Rio de Janeiro. Comercializavam abobrinha, batata-inglesa, batata-doce, cenoura, couve-flor, chuchu, ervilha, inhame, jiló, nabo, pepino, pimentão, repolho, tomate e vagem.
Esse distrito tem chamado a atenção de pessoas que curtem trilhas e escaladas em razão das montanhas Três Picos, no passado conhecidas como três bicos. Essa localidade guarda uma tradição passada de geração em geração um valioso saber local: A broa de planta de Dona Dodoca, sitiante nessa região.
A originalidade de seus ingredientes, o modo de fazer a broa, a sociabilidade que envolve o momento de sua confecção em que as mulheres se juntam, trocam experiências e falam de suas vidas, tudo isso agrega valor como patrimônio imaterial de nossa região. O arquiteto Alessandro Rifan com atuação na área de desenvolvimento sustentável e especialização em Antropologia Social realizou uma pesquisa das práticas culturais nessa região registrando a broa de planta Dona Dodoca.
A receita é simples: Dona Dodoca faz a coleta em sua horta de batata doce, chuchu, inhame e ervas aromáticas como a erva doce. Todos esses ingredientes são ralados crus e adicionados ao fubá de milho, leite, açúcar mascavo, ovos e fermento. Depois de remexida a massa faz-se várias broas, em formato redondo e põe-se cada uma delas para descansar sobre folhas de caeté que Dona Dodoca tem em abundância em sua propriedade.
A seguir, a broa é assada em forno de lenha. As folhas de caeté eram igualmente usadas pelos tropeiros para embalar a manteiga comercializada no centro de Nova Friburgo. Dona Dodoca fez essa broa em uma casa de “pau a pique”, uma técnica antiga de construção dos séculos 18 e 19. A construção de pau a pique, quando mal acabada, pode se degradar em pouco tempo, apresentar rachaduras, se tornando alvo de insetos que se instalam nestas aberturas, a exemplo do barbeiro, inseto transmissor da doença de Chagas.
No entanto, quando construída de forma adequada, com base de pedra afastando-a do solo, devidamente rebocada e caiada, como a de Dona Dodoca, não há perigo de instalação do barbeiro nas paredes ou mesmo de degradação. Essa casa é uma raridade e possivelmente remonta ao final do século 19. Uma verdadeira peça de museu.
Uma lei municipal de 2009, criou instrumentos de proteção do patrimônio cultural do município, com o tombamento dos bens históricos de Nova Friburgo. Além dos bens materiais, prevê o tombamento do patrimônio imaterial, no qual se insere a broa de planta. A lei dispõe que o poder público reconhece e protege como patrimônio cultural bens de natureza imaterial a fim de garantir a continuidade de expressões culturais referentes à memória, à identidade e à formação da sociedade do município, para o conhecimento das gerações presentes e futuras.
No caso da broa de planta, caso seja reconhecida pelo poder público como patrimônio cultural, ganha um registro no Livro dos Saberes, em razão do conhecimento e modo de fazer enraizados no cotidiano da comunidade de Três Picos.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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