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A broa de milho, um patrimônio imaterial
Foram cinco as espécies de grãos que alimentaram o homem a partir da antiguidade. O sorgo (o mais velho), o trigo, a cevada, a aveia e o milho. Esse último veio da América espanhola e salvou a Europa da fome. No México, há nove mil anos, sítios arqueológicos indicam que a população já consumia o milho. Era o alimento principal dos povos incas, maias e astecas.
Em 1492, Cristóvão Colombo e sua tripulação viram pés de milho em Cuba pela primeira vez. Os botânicos que acompanharam Colombo levaram esse vegetal para a Europa. Em Portugal, no ano de 1515, já existe o registro de plantações de milho e cinco anos depois, o francês Magellan comenta em seu diário a existência dessa planta na cidade do Rio de Janeiro. Os aproveitadores do milho foram os portugueses com o bolo, a canjica e o pudim. Já os africanos com as papas, angus, mungunzás.
Uma das práticas culturais dos distritos rurais de Nova Friburgo, que remonta possivelmente ao século 19, é um tipo diferente de broa de milho. Trata-se de uma tradição passada de geração em geração, um valioso saber local. A originalidade de seus ingredientes e o modo de fazer a broa é uma verdadeira preciosidade. O ingrediente básico é a farinha de milho que pode ser branco ou amarelo, ou mesmo ambos.
Segundo a tradição oral, o fubá de milho branco é mais saboroso. São acrescentados a esse ingrediente principal a batata doce, o chuchu, o inhame e a cabeça de inhame, a abóbora e a mandioca. Todos esses legumes são ralados crus e adicionados a farinha de milho juntamente com leite, açúcar, ovos, fermento e ervas aromáticas, a exemplo da erva doce. O fato de se adicionar esses legumes crus possivelmente serve para render mais, pois as famílias tinham uma prole imensa.
Depois de remexida a massa faz-se várias broas, em formato redondo, e são envolvidas em folhas de caeté ou de bananeira. No forno de barro coloca-se a lenha e deixa-se queimar até virar carvão. Normalmente esses fornos ficam fora da casa, no quintal. A seguir, retira-se todo o carvão da fornalha. Pega-se uma folha de bananeira ou de caeté e joga-a dentro do forno. Se queimar rapidamente, deve-se aguardar mais um pouco, pois as broas somente podem ir à fornalha se a folha arder lentamente.
A broa de milho sempre esteve presente nas festas populares. Alciente Ouverney, de Galdinópolis, me relatou que lá pelos idos do início do século 20, nas festas de aniversário de seus pais, tocava-se sanfona a noite inteira e comia-se broa de milho, doce de mandioca e bebia-se cachaça e café. Mas quem fez da confecção da broa de milho uma festa foi a família Mozer, descendentes de imigrantes suíços, no distrito de Lumiar.
Em meados de cada ano, toda a família se reúne para a elaboração de centenas dessa guloseima para a venda na localidade. O objetivo é arrecadar dinheiro para a confecção das fantasias do bloco da família que desfila no carnaval. Já virou atração turística na localidade a data em que a família se reúne para as fornalhas de broas de milho que levam na sua confecção legumes crus ralados.
Nova Friburgo possui uma legislação que protege o patrimônio histórico material e imaterial que contenham referência à identidade, à ação e à memória de diferentes grupos da comunidade, entre os quais se incluem as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, tecnológicas e artísticas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, espeleológico, paleontológico, ecológico e científico; e finalmente, os lugares onde se concentram e se reproduzem as práticas culturais coletivas.
Mesmo dispondo a lei sobre o amparo de bens de natureza imaterial nenhuma iniciativa existe até hoje de proteção a essas práticas. No caso da broa de milho, um patrimônio imaterial, já deveria estar inscrita no Livro dos Saberes em razão da tradição enraizada no cotidiano da comunidade rural de Nova Friburgo, há mais de um século.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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