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Breve história do carnaval em Nova Friburgo
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
Em 1849, as posturas da vila de Nova Friburgo proibiam expressamente o entrudo, folguedo carnavalesco em que os foliões lançavam limões de cheiro uns aos outros. Esses limões eram bolas de cera recheadas com água perfumada ou farinha, um avô das binasgas de plástico que viriam substituí-los no século XX. No final do século XIX, Nova Friburgo era uma cidade muito frequentada por cariocas que fugiam das epidemias de febre amarela no Rio de Janeiro durante o verão. A batalha das flores, um formato de carnaval copiado de Nice, na França, era promovida pela elite carioca que veraneava na cidade serrana. Consistia em um desfile de carruagens adornadas por motivos alegóricos; no caso, as flores. O préstito percorria animadamente as ruas do centro da cidade, saindo da Praça Getúlio Vargas e se dirigindo até o Suspiro. Terminado o desfile, os ocupantes dos "carros” se divertiam numa acirrada batalha, jogando flores uns contra os outros. A família do emérito jurista Rui Barbosa era habituée nessa alegre folia. Cumpre destacar que a batalha das flores ocorrera em Nova Friburgo mais de uma década antes de ser instituída no Rio de Janeiro pelo prefeito Pereira Passos. No carnaval fin de siècle, retumbantes Zé-Pereiras percorriam as ruas da cidade, além de grupos carnavalescos usando fantasias que lhes encobria a identidade e com a voz em falsete, para não serem identificados. O divertimento nessa época era manter-se no anonimato sob as máscaras e disfarces, nos três dias de folia, formulando a pergunta aos transeuntes: "Você me conhece”? Grandes atrações eram também os ditos espirituosos, a criatividade da pilhéria, geralmente críticas à administração pública da cidade, tal como a iluminação, o fornecimento de água e outras situações cotidianas. As soirées ocorriam nos hotéis, como o Hotel Salusse, Engert, Central, e no século XX, nos hotéis Glória, Floresta, Roma e Friburguense. Eram "bailes piramidais”, como se dizia à época. As sociedades musicais Euterpe e Campesina organizavam bailes em suas sedes, assim como a Casa d’Italia e a Escola Alemã. Um fato curioso em Nova Friburgo é que, no final do século XIX, alguns veranistas abriam suas residências na segunda-feira, único dia em que não havia bailes nos hotéis, para soirées de carnaval. Enquanto se "descansava” dos bailes nos hotéis, "folgava-se” nas soirées privadas, ironizavam.
Já no século XX, percebemos algumas mudanças no carnaval de Nova Friburgo. Em meados desse século, com o surgimento dos clubes sociais, como o Clube do Xadrez, o Clube dos 50, a Sociedade Alemã de Nova Friburgo (depois SEF) e o Country Club, os bailes carnavalescos migram dos hotéis para esses locais. Indústrias como a Filó S.A. oferecem bailes aos seus operários e as sociedade musicais mantém os seus tradicionais bailes. E como ficou o carnaval de rua? Depois que o prefeito Pereira Passos promoveu a reforma no centro do Rio de Janeiro e Oswaldo Cruz erradicou a febre amarela, a frequência dos cariocas diminui sobremaneira em Nova Friburgo. Mas o clima da cidade serrana não retirou a sua representatividade como uma das cidades mais aprazíveis para o veraneio de cariocas e niteroienses. No entanto, nos parece que o carnaval de rua deixou de ser frequentado amiúde pela elite local e por veranistas, que preferiam os bailes nos clubes sociais. Surgem as escolas de samba na década de 40 do século XX. Tinham inicialmente como participantes apenas afrodescendentes e indivíduos das classes populares, os "pés de bicho”, como eram chamados, pois andavam geralmente descalços, já que sapato era um acessório caro. A elite branca friburguense da época não participava desse folguedo, não se misturava com os pés de bicho, para ser mais exata. Somente no último quartel daquele século participariam dos desfiles das escolas de samba. As modalidades em que se julgava as escolas eram música, harmonia, canto, orquestra, conjunto, "maior número” (de integrantes), evolução, elegância, estandarte, fantasia, enredo e "orientação”. A dificuldade era grande, os instrumentos musicais eram feitos com latões da fábrica de carbureto, couro doado pelo curtume da cidade e sacrificavam gatos para usar a pele na confecção de instrumentos menores. O compositor da escola de samba surgiria apenas em 1955. Outrora, as escolas escolhiam um samba e desfilavam ao ritmo dessa música.
Já os blocos tinham a participação de veranistas e inclusive dos marinheiros e oficiais do Sanatório Naval. Esse último era o "Sossega Leão”. Cordões e ranchos desfilavam igualmente pela cidade. Recebera o nome de cordões, pois outrora os foliões ficavam cercados por uma corda para evitar que o público se misturasse à eles. Em média, havia cerca de cem participantes em cada um desses cordões. Posteriormente, foram sendo denominados de bloco.
A época de ouro do carnaval nos clubes sociais foi na década de 80 do século XX. Eram concorridíssimos esses bailes, mormente o Clube do Xadrez, com a Banda do Bola Branca. O Country Clube e os bailes nas sedes das sociedades musicais ficavam notadamente lotados. Cumpre destacar que o sucesso dos bailes carnavalescos, tanto outrora nos hotéis, quanto nos clubes sociais, deve-se à participação dos músicos das sociedades musicais Euterpe e Campesina. Os integrantes dessas duas bandas centenárias eram responsáveis pela qualidade da boa música e animação desses bailes. Pode-se afirmar que, não fosse a qualificação desses músicos formados por essas sociedades musicais, o carnaval de Nova Friburgo não teria o mesmo brilhantismo. Bom carnaval a todos!
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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