Colunas
Bidu Sayão: o pequeno rouxinol - Última parte
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Nascida em 11 de maio de 1902 no Rio de Janeiro, Bidu Sayão foi uma das mais celebradas cantoras líricas do século 20. Sua ligação com Nova Friburgo decorre de ser bisneta da colona suíça Marianne Joseph, que chegara à Região Serrana em princípios do século XIX. Adotada pelos norte-americanos, sentia-se em casa nos EUA e querida por todos, disse em certa ocasião. Sua carreira foi praticamente toda naquele país e isso criou um ressentimento no Brasil. Talvez seja por isso que numa reforma realizada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1976, a placa e o busto de Bidu Sayão, que estavam lá desde 1927, foram retirados. Ela cantara no Teatro quando tinha 18 anos de idade. O tributo de sua placa e busto foram recolocados em 1993, por determinação do secretário estadual de Cultura, Edmundo Moniz. Atribuiu-se a sua ausência no Brasil a uma violenta vaia que recebeu no Teatro Municipal. A responsável teria sido a ciumenta Gabriela Besanzoni Lage, uma das mais fantásticas Carmens, que perdera seu posto para a nova diva Bidu Sayão. Ainda que negasse veementemente, cultivou um indisfarçável ressentimento com o Brasil. Esta relação confusa com seu país natal se tornou evidente nos anos 80. Ao legar as luxuosíssimas indumentárias usadas por ela nas óperas foi os Estados Unidos que escolhera para abrigar o seu acervo pessoal. Declarou que o Teatro Municipal do Rio de Janeiro não tinha uma estrutura para manutenção do seu acervo e as roupas se perderiam ou ficariam danificadas. Mais uma vez seria tachada de americanizada pelos impávidos guardiões da brasilidade. Apesar de raramente vir ao Brasil, recusou o título de cidadania americana oferecida pelo presidente Franklyn Roosevelt. Na 2ª Guerra Mundial, foi aos campos e hospitais como voluntária cantar para os soldados norte-americanos. Colaborou tanto no esforço de guerra que recebeu a Ordem de Mérito dos EUA e o Certificado de Honra da Cruz Vermelha, distintivos da Marinha e da Aviação americanas. A carreira de Bidu Sayão foi completamente tecida no exterior. Aos brasileiros, concedeu meia dúzia de récitas e alguns discos que gravou. No entanto, se irritava quando duvidavam de seu fervor pátrio. Se de um lado jamais utilizou a música para se travestir de Embaixadora do Brasil nos Estados Unidos, por outro lado jamais se naturalizou norte-americana. Sua vida amorosa igualmente estivera intimamente ligada ao palco. Casou-se pela primeira vez com o empresário do ramo de espetáculos, Walter Mocchi. Na segunda vez, com o famoso barítono Giuseppe Danise. Em ambos os matrimônios não teve filhos. De família de classe média alta, aliado a dois casamentos com homens ricos, Bidu Sayão cultivava hábitos sofisticados e caros: comprava joias e peles aos borbotões. Passava a maior parte do tempo em seu luxuoso apartamento na Broadway. No verão, ficava em sua residência em Lincolnville, Maine, na fronteira com o Canadá, onde tinha uma praia particular, floresta com riacho e jardins esplêndidos. A crítica não cansou de tecer loas às suas interpretações. Bidu foi uma espécie de Carmen Miranda do canto lírico. Sua estreia no Metropolitan Opera House, com a Manon, de Massenet, teve transmissão radiofônica em todo Brasil. Em sua terra natal recebeu a alcunha de Pequeno Rouxinol. Bidu Sayão manter-se-ia como artista exclusiva do Metropolitan até 1953. No auge do prestígio, em 1945, foi escolhida pelos melômanos, os apaixonados pela música, a segunda mais popular cantora de ópera dos Estados Unidos. Dizia-se que sua voz possuía um timbre de opalescência leitosa, clareza de dicção e sua interpretação estilo, requinte, doçura e feminilidade fascinante. Heitor Villa-Lobos, a pedido dela, substituiu o violino de As Bachianas por sua voz. Em 1955, numa noite inesquecível no Hollywood Bowl, cantou as Bachianas Brasileiras n° 5.
Aos 55 anos de idade Sayão resolveu parar de cantar. Retira-se dos palcos em pleno apogeu. O Metropolitan Opera House lhe fez uma homenagem comemorando os cinquenta anos desde a sua estreia naquele teatro, em 1937. Sua última vinda ao Brasil foi para desfilar na escola de Samba Beija-Flor que lhe prestou uma homenagem, em 1995, com o enredo "Bidu Sayão e o canto de cristal”. Depois de muitas rogativas aceitou desfilar na avenida aos 93 anos de idade no carro alegórico Cisne Negro. Bidu Sayão teve um fim solitário, marcado por sucessivos desastres. Quando deixou de cantar declarou que finalmente conseguira a sua alforria: poderia fumar e tomar os seus adorados coquetéis. Porém, como não havia mais os jornalistas e a solidão era uma presença constante. Sobreviveu a dois acidentes vasculares celebrais. Depois da perda do marido em 1963, sua bela mansão à beira-mar pegou fogo, em 1969. A nova residência, construída na mesma região seria assaltada e literalmente esvaziada. Três anos depois da morte de Danise perdeu a sua grande companheira, a sua mãe, que falecera aos 90 anos de idade. Bidu Sayão sentiu muito a sua morte, perdendo 18 quilos e entrou em depressão profunda. Em todas as fotos onde ela era recebida socialmente, homenageada, ou em seus momentos de intimidade, a presença de sua mãe, Dona Mariquinhas, era constante, sua companheira inseparável. Faleceu de complicações de uma pneumonia em 13 de março de 1999, aos 96 anos de idade, nos EUA. Sua companheira no leito de morte foi a enfermeira Hazel Iata, que era sua guardiã há muitos anos. Deixou instruções para que não houvesse nem funeral e nem flores e que o seu corpo fosse cremado e as cinzas espalhadas pelas águas da baía em frente à sua casa, durante a primavera americana. Como Bidu Sayão fez sua carreira profissional no exterior, não teve elo com o Brasil. Consequentemente, a bisneta da colona suíça, madame Salusse, nunca cultivou vínculo afetivo com Nova Friburgo.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de
diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário