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Barão de Nova Friburgo: o mercador de vidas humanas
quinta-feira, 06 de março de 2014
Antônio Clemente Pinto, o Barão de Nova Friburgo, nasceu em Portugal, em 6 de janeiro de 1795, e veio para o Brasil em 1807. Considerado um dos homens mais ricos do Império, suas propriedades são um verdadeiro testemunho de sua fortuna. Nova Friburgo tem um significativo legado de sua prosperidade: o chalet do Parque São Clemente, com jardim assinado pelo famoso paisagista do imperador D. Pedro II, Auguste François Marie Glaziou; o pavilhão de caça da família, atual Sanatório Naval; e igualmente o imponente solar no centro da cidade, na Praça Getúlio Vargas. Percebe-se que os Clemente Pinto aliavam riqueza à sofisticação. O Palacete de Nova Friburgo (Palácio do Catete), atual Museu da República, é a palavra final do que representou o rico patrimônio desse imigrante português, patrono da estrada de ferro no Centro-Norte fluminense. Sua grande obra, nessa região, foi a Estrada de Ferro de Cantagalo, iniciada em 1859. Falecido em 4 de outubro de 1869, no Palacete de Nova Friburgo, aos 74 anos de idade, deixou como herdeiros dois filhos. A matéria de hoje objetiva transcrever alguns bens relacionados em seu inventário, realizado em 1873. O modo de produção em suas fazendas de café utilizando a mão de obra escrava foi um dos eixos de sua fortuna, como veremos. Na Fazenda Santa Rita, situada na freguesia do mesmo nome, em Cantagalo, o barão possuía 324 escravos. Na mesma freguesia, a Fazenda de Areas, uma das maiores da região, possuía uma casa de fazenda com acabamento em cantaria lavrada, usinas beneficiadoras de café, arroz e milho, engenho de açúcar, uma locomotiva, gado, 309 escravos, etc. Ainda nessa região, a Fazenda Boa Vista, com 151 escravos; a Fazenda Boa Sorte, com 202 escravos; a Fazenda Jacotinga, com 119 escravos; a Fazenda Itaóca, com 90 escravos; a Fazenda Laranjeiras, com 122 escravos; e a Fazenda Água Quente, com 134 escravos. Todas essas propriedades possuíam plantações e gado, além de outras benfeitorias. Era a sede da Fazenda Gavião, situada na freguesia do Santíssimo Sacramento, que se depreende o gosto estético do barão, nos informa Luiz Fernando Dutra Folly em "Barão de Nova Friburgo: impressões, feitos e encontros”. Projeto do arquiteto alemão Karl Frederich Gustave Waehnelt, a sede foi edificada no início da década de 1860, mesmo período de construção do Palácio do Catete. Nessa propriedade, além dos cafezais, havia 182 escravos e uma locomotiva. Na mesma freguesia do Santíssimo Sacramento havia a Fazenda Aldeia, com aproximadamente 200 escravos; a Fazenda Cafés, com 122 escravos e onde atualmente é o município de São Fidélis, a Fazenda Macapá, com 64 escravos. Todas essas propriedades possuíam plantações de café, gado e benfeitorias.
Em Nova Friburgo, na freguesia de São João Batista, o barão possuía a Fazenda de São Lourenço, com 2.000 alqueires de terras, 42 escravos, com criação de gado bovino, carneiro, bestas de tropas e outras criações. Já a Fazenda do Cônego possuía 1.200 alqueires de terras e 135 escravos, onde funcionava uma olaria, atividade que deu nome ao bairro. Já sua Fazenda Córrego d’Antas, foreira à Casa Imperial, servia como rancho para pouso de tropeiros. Nos parece que era intenso o trânsito de tropas entre Sumidouro (então freguesia de Nossa Senhora do Paquequer, pertencendo à Nova Friburgo) até o porto de Magé, passando pelo que hoje seria o Córrego D’antas. A Chácara do Chalet, atual Country Clube, igualmente projeto de Gustave Waehnelt, construída na década de 1860, servia como residência de campo dos Clemente Pinto. O barão possuía inúmeras outras propriedades na vila de Nova Friburgo, sendo exaustivo descrevê-las.
O embaixador suíço Von Tschudi, quando visitou a região de Cantagalo no século XIX, ao se referir ao Barão de Nova Friburgo, registrou que circulavam muitas versões quanto à natureza de seus negócios e a origem de tão avultada riqueza, sugerindo transações ilícitas. O que se sabe é que o Barão de Nova Friburgo dedicou-se ao tráfico de escravos nas primeiras décadas do século XIX, o mais lucrativo negócio naquele período. Curiosamente, as suas grandes edificações, como vimos acima, foram iniciadas alguns anos depois da lei que proibia definitivamente o tráfico de escravos, em 1850. Pode ser que o barão tenha imobilizado boa parte de seu capital, que empregava no tráfico, em suntuosas construções. Mas tudo são suposições, já que, infelizmente, até hoje nenhuma pesquisa foi realizada sobre a vida desse importante ator histórico. No dia em que essa pesquisa se concretizar, a história de Nova Friburgo se beneficiará muito, já que esse município, além de alguns negócios, foi o lugar de veraneio do Barão de Nova Friburgo. Em seu inventário, fica claro que a marchandise humaine, como observou um suíço, foi a base de sua fortuna.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de
diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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