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As ruínas do Convento de São Boaventura
quinta-feira, 04 de julho de 2013
A posposta dessa coluna sempre foi a história de Nova Friburgo, mas não podemos nos furtar de mencionar uma região com tão rica história, no qual Nova Friburgo não pode se dissociar. De Itaboraí a Cantagalo, nos parece, era uma região administrativa única, sendo que o Centro-Norte fluminense era denominado de "Sertões do Macacu”, ocupado apenas por índios e o leste, que compreende Itaboraí, ocupado por índios e luso-brasileiros, desde o século XVI. E tudo se iniciou com a vila de Santo Antônio de Sá, antigo Cacerebu. A Freguesia de Cacerebu era igualmente conhecida por Santo Antônio de Macacu e posteriormente, Santo Antônio de Sá. As terras da antiga freguesia de Cacerebu foram cedidas em sesmaria ao fidalgo português Miguel de Moura, em 1567, na planície do Rio Macacu. Surgiram posteriormente diversas fazendas e engenhos de cana-de-açúcar. Miguel de Moura doou em 1571, à Ordem dos Jesuítas, uma porção de terras e essa ordem edificou o Convento de São Boaventura, cujas ruínas existem até hoje. Os jesuítas venderam uma parte das terras a Manuel Fernandes Ouzouro, que construiu, em 1612, uma capela, elevada a Curato (fase administrativa que antecede a constituição de um "termo”), em 1644. Alguns anos depois essa freguesia desmembrou-se do Morro do Castelo e da Candelária do Rio de Janeiro, transformando-se em "termo”. A Câmara Municipal foi instalada em agosto de 1697, recebendo o status de "termo” de Santo Antônio de Sá. Séculos depois, em 1868, foi transferida a sede do termo para o arraial da freguesia da Santíssima Trindade de Santa Ana de Macacu e em 1898, esta localidade passou a denominar-se Sant’Ana de Japuíba, nos informa Manoel Erthal, em "Bom Jardim”.
Foi de Santo Antônio de Sá que se desmembrou uma área para a fundação de Cantagalo e foi desse município que se desmembrou glebas de terras para a fundação de Nova Friburgo. Logo, toda a história dessa região encontra-se imbricada. Os colonos suíços, quando se dirigiram para Nova Friburgo, fizeram uma parada na vila de Santo Antônio de Sá, mais especificamente no Convento de São Boaventura. Faleceram nesse local trinta e cinco suíços, atribuindo-se a causa da morte as "febres do macacu”. O termo de Santo Antônio de Sá já experimentou grande desenvolvimento econômico. Porém, em razão do desmatamento desordenado durante décadas e o assoreamento dos rios, formaram-se muitos pântanos, acarretando a proliferação de mosquitos. Ocorriam frequentemente nessa localidade epidemias de febre amarela e malária. Nessa ocasião, desconhecia-se a origem do mosquito como transmissor de doença. Vigorava a tese dos "miasmas”, emanações de gases que vinham dos pântanos, provocando doenças. Essas epidemias ficaram conhecidas como "febre do Macacu”. A tragédia das epidemias foi tão intensa que em 1829, quase já não existiam mais moradores na vila. Dez anos antes, em 1819, o suíço Joseph Hecht esteve no mosteiro juntamente com o primeiro grupo de colonos e nos deixou esse interessante relato: "No quarto dia tivemos de subir novamente nos barcos e navegar por um rio até Macacu (vila de Santo Antonio de Sá), onde chegamos no mesmo dia. Macacu é uma cidade com um mosteiro (Convento de São Boaventura), onde foi montado um hospital para os suíços que chegaram doentes. (...) De manhã cozinharam carne para nós. Então veio estar conosco a bondosa dona da casa, que não vestia coisa alguma além de uma saia e uma blusa de algodão. Apesar do corpo dela ser muito preto (pois ela era negra) mostrou-se muito amável para conosco. Conversamos numa língua inteiramente nova; ninguém a entendia, nem ela a nós, por isso fazíamos todo tipo de sinais para nos entendermos. (...) Ela nos deu batatas e raízes de mandioca e ainda teve a boa vontade de nos ensinar como assá-las. Achamo-las realmente muito saborosas. Logo depois tivemos de nos dirigir ao mosteiro, não para receber a batina, mas para sermos temporal e espiritualmente inundados de bênçãos. (...) Nesse mosteiro foram deixados os doentes que viajaram em dois outros veleiros e também os que vieram em nosso veleiro, para aguardarem restabelecimento, se Deus assim permitisse. Como nos outros navios também havia doentes, esse lugar virou um grande hospital e o nosso padre de idioma alemão, movido por amor a essas pobres pessoas, considerou como seu dever ficar em companhia delas, para confortá-las e, se lhes sobreviesse a morte, estar à beira do leito dos enfermos e prepará-los bem para a viagem à eternidade.” A Petrobras (Comperj) situa-se atualmente na região do mencionado eremitério de São Boventura. Essa empresa, em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e com o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), iniciou o projeto de consolidação das Ruínas do Convento São Boaventura, que consiste na manutenção da estrutura original. Igualmente realizou pesquisas de resgate de sítios arqueológicos na região por meio do Programa de Resgate do Patrimônio Arqueológico do Comperj. Os materiais encontrados pertencem a diferentes épocas, desde a pré-história até o período colonial. Na pesquisa, foram localizadas aldeias de tribos ceramistas e vestígios da extinta vila Santo Antônio de Sá, entre os séculos XVI e XVIII, além de fragmentos de cerâmicas portuguesas, espanholas e inglesas, cachimbos africanos e urnas funerárias indígenas. Nova Friburgo, como vimos, tem uma pequena parcela nessa rica história regional.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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