As memórias de Derly Moreira Chaloub: o pai, a política e a vida social - 7 de outubro.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Derly Moreira Chaloub nasceu em 1921 e tinha doze anos quando veio residir em Nova Friburgo. Sua família é originária de Conceição de Macabu. Seu pai foi um dos médicos mais cultuados na história de Nova Friburgo: dr. Dermeval Barbosa Moreira. Falecido em 6 de maio de 1974, aos 74 anos, seu funeral ilustra bem a consideração que gozava junto às classes populares onde concorreram milhares de pessoas. Quando se encontrava na agonia de seus últimos momentos de vida, o povo se aglomerou na Praça Paissandu, em frente ao hospital onde ele se encontrava internado. Sob pressão da população, Derly autorizou, mesmo sofrendo com a agonia de seu pai, que cada popular passasse, um a um, em frente à porta do quarto do dr. Dermeval para a derradeira despedida. No préstito fúnebre, as enfermeiras foram todas de branco com uma rosa vermelha à mão. Moças jogavam pétalas de rosa sobre o caixão. Muitos até imaginam que dr. Dermeval exerceu um cargo de vereador ou prefeito no município, mas ele nunca se imiscuiu na política local. Foi o último daquela cepa de médicos que misturava a profissão com o sacerdócio, pois tinha um local e horário para atender gratuitamente aos pobres, uma prática muito comum entre os médicos até o primeiro quartel do século XX. Daí a sua popularidade e ser considerado o “pai dos pobres”.

Poucos sabem, mas quem construiu o prédio que abriga a UERJ foi o dr. Dermeval, juntamente com o seu cunhado, edificando no local, conhecido por Cascata, o Hotel Cassino. No entanto, como o jogo foi proibido no governo Dutra, o prédio virou um elefante branco. Dr. Dermeval então negociou com médicos tisiologistas do Rio de Janeiro para abrigar no Hotel Cassino mais um sanatório para tuberculosos na cidade. Augusto Spinelli, que era vereador, mobilizou a população contra essa venda, posto que Nova Friburgo iria se transformar em uma “cidade sanatório”. Encetou-se então negociações com a Fundação Getúlio Vargas e o prédio acabou virando um estabelecimento de ensino.

Derly Chaloub não tem boas recordações da política. Seu irmão Vanor foi deposto no regime militar acusado de ser comunista. Recorda-se de uma noite em que a diretora da telefônica, que gostava muito do dr. Dermeval, foi a sua residência e relatou que ouvira uma ligação de uma pessoa importante do gabinete do dr. Vanor ligar para a Marinha, no Rio de Janeiro, acusando o seu irmão de comunista. Foi ela quem recebeu a denúncia. Era tarde da noite, e não quis incomodar seu pai, mas no dia seguinte, narrou-lhe o fato. Dr. Dermeval foi juntamente com o seu filho, o então prefeito Vanor, ao Sanatório Naval para esclarecerem os fatos e aquela denúncia. Mas as denúncias continuaram e seu irmão perdeu o mandato de prefeito manu militaris.

Quando perguntada sobre a vida social no passado, Derly respondeu que a população de Friburgo era fria como o clima, e que antigamente não acontecia quase nada. Mas quando nos fala de seus anos dourados, percebemos que não era bem assim. Além dos bailes que frequentava amiúde no Hotel Cassino (já esse hotel era localizado onde é hoje o Edifício União) e do Xadrez ( funcionava onde hoje é o edifício Spinelli), Derly participava de uma orquestra de acordeão da cidade. As sessões de cinema e os passeios na praça eram inesquecíveis. Havia um trem que vinha de Porto Novo e passava às nove horas da noite pela praça. Era chamado de “vassourinha”, isso porque quando ele passava, todas as moças “decentes” tinham que ir para casa. Derly ri quando se recorda dos tipos de rua engraçados da cidade: o “Olímpio Errado”, que colocava a frente da calça para trás e o povo gritava: “Olímpio Errado”; ou ainda do “Chandoca”, que tocava banjo, muitas vezes à noite, debaixo de sua janela. No cinema Leal, antigo Teatro D. Eugênia, com a chegada do verão e das férias escolares, Derly e as Zamith, Braunes, Dutra, Carneiro e Carrapatoso promoviam apresentações teatrais. Ensaiavam umas quatro peças por temporada sob a direção de Moacir Peixoto, que era de Friburgo. Os turistas gostavam muito dessas apresentações, “era muito caprichado”, recorda-se. Peixoto trazia do Rio de Janeiro o cenário e o figurino. O grupo participava do concurso de teatro amador no Ginástico Português, no Rio de Janeiro, e se apresentava ainda no Teatro Municipal de Niterói. É interessante como desde o final do século XIX, a elite carioca e friburguense tinham no teatro amador, uma de suas formas de sociabilidade. Não se denominavam atrizes, mas “amadoras”. Havia ainda uma orquestra na cidade, orientada por Sérvio Lago, de uma família de músicos, e Derly também tocava na orquestra como pianista. Os músicos também participavam das apresentações teatrais. Em suas memórias, Derly Moreira Chaloub relembra a dor pela perda de muitos familiares queridos. Mas em contrapartida, o sorriso e a alegria no semblante quando se recordou da sua juventude e dos tipos mais ordinários e divertidos do cotidiano da cidade: o Olímpio Errado e o Chandoca.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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