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As memórias de Brigitte Schlupp
A guerra, as fábricas e o trem no cotidiano da cidade
Nascida na Alemanha em 23 de janeiro de 1918, Brigitte Schlupp veio para o Brasil no início da década de 1920. Sua família se instalou inicialmente na Bahia, mas logo se mudaram para o Rio de Janeiro. Da Bahia, se recorda de uma história que a mãe lhe contara. Certa feita, sua mãe a mandou ir à rua para comprar pão. Tinha aproximadamente cinco anos de idade. Uma mulher negra lhe pegou pela mão e a conduziu à sua casa, advertindo sua mãe: “Não se pode deixar uma menina branca ir sozinha na rua. Isso não é costume”.
Viveu sua adolescência no Rio de Janeiro, casando-se em 1937 com um pastor luterano, o pastor Schlupp, como era conhecido, e foi morar em Nova Friburgo. Nos seus dezenove anos, Brigitte Schlupp se encantou com a cidade e se sentia muito familiarizada devido à presença de muitos alemães no município. A língua era um fator de unidade entre os alemães. Nas memórias de Brigitte, os brasileiros foram muito pacientes. Ouviam os alemães falarem entre si na sua língua pátria, em sua presença, e não se importavam. Não se sentiam ofendidos por não entenderam o que falavam, recorda-se. Hoje isso seria um gesto de falta de educação, destaca Brigitte. Como os alemães falavam em seu próprio idioma com frequência, açougueiros e quitandeiros se adaptaram e já falavam alguma coisa em alemão com seus fregueses. Brigitte praticava muito esporte como natação, tênis e ciclismo e chegou a escalar o Pico das Agulhas Negras com seu pai. Os alemães praticavam muitos esportes, se recorda. No dia a dia, os alemães da primeira geração comiam apenas pratos de seu torrão natal. Brigitte somente comia arroz, feijão e angu na casa dos vizinhos. Mas quando criou seus filhos, já os alimentava nos moldes da típica cozinha brasileira. Só para recordar, os principais industriais e executivos das indústrias em Nova Friburgo, àquela época, eram alemães, logo, Brigitte convivia com a elite econômica local. Seu marido, o pastor Schlupp, adquiriu em 1949 o Colégio Cêfel, que pertencera anteriormente à Cooperativa Educacional Friburguense Evangélica Ltda., fundada pelo pastor presbiteriano, rev. Trasilbo Filgueiras e posteriormente administrada por professores metodistas ligados à Associação Cristã de Moços (ACM). Este mesmo colégio se tornou um dos maiores estabelecimentos educacionais da cidade, reconhecido pela qualidade de seu ensino.
Mas nem tudo são flores. Veio a Segunda Guerra Mundial(1939-45) e pode-se afirmar que os alemães foram muito hostilizados em Nova Friburgo. Muitos alemães foram presos, inclusive seu marido, entre os anos de 1942 e 1943 e conduzidos a uma penitenciária em Niterói, onde ficaram detidos por três meses. Alguns foram enviados para a Ilha Grande. A Igreja Luterana foi fechada e até mesmo o cemitério dos alemães. Todo alemão, para se deslocar de um município a outro, deveria apresentar um salvo-conduto expedido pelo delegado de polícia. Há um fato pitoresco ocorrido nessa ocasião. Uma alemã foi presa em Araruama por um motivo bizarro. Faltou luz em sua residência, que ficava próxima à costa do mar, e como não havia luz ela acendeu uma vela. Foi presa por suspeita de estar dando sinal a um submarino alemão.
Brigitte se recorda do Teatro D. Eugênia e dos passeios nas alamedas da Praça Getúlio Vargas. Segundo ela, de um lado da alameda circulavam os ricos; na outra, as classes populares. Recorda-se que antes das seis horas da manhã, despertava com o som de toc-toc-toc-toc-toc, e lá vinham os operários com seus tamancos dirigindo-se às inúmeras fábricas da cidade: “As fábricas apitavam e os tamancos iam para a fábrica.” Depois vieram as bicicletas. Os industriais financiaram esse veículo para os operários. Quando perguntada sobre a tuberculose, lembra-se que haviam muitos tuberculosos e, por isso, não se podia tomar um cafezinho nos bares da cidade. A senhora tinha medo dos tuberculosos, pergunto? “Eu não, todo mundo tinha medo. E muitas vezes houve brigas porque o pessoal lá do Sanatório (Naval) fugia à noite para fazer farra aqui na cidade. Isso era conhecido.....”
Finalmente, o festejado trem que está sempre na memória dos mais antigos. Brigitte ia para a estação de trem ver os veranistas chegarem, uma mania entre os friburguenses. “Você conhece a piada do trem”, me pergunta. Fiquei na dúvida se era a do ‘trem atual’ ou não. Mas a piada era a do século passado. “O pessoal de fora perguntava. Porque nascem tantas crianças em Friburgo? Ah, isso é claro. O trem passa às dez horas [da noite] batendo o sino, pim pim pim, o pessoal acorda, não consegue mais dormir e então...”. O que mais surpreende é que Brigitte, aos 92 anos de idade, nos fala dos acontecimentos do passado de Nova Friburgo com tanta desenvoltura, incluindo até os sons da cidade, como se fosse ‘notícia de ontem’. Conversando com Brigitte Schlupp, mal nos damos conta que ocorreram há setenta anos atrás.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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