As cidades mortas: o caso de Valão do Barro - 26 de agosto.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Monteiro Lobato publicou um conto em 1906 intitulado Cidades Mortas, descrevendo a decadência das cidades outrora opulentas do Vale do Paraíba Fluminense. Lobato escreveu: “Ali tudo foi, nada é. Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito”. Muitos habitantes dessas cidades mortas migraram para municípios mais prósperos, como o caso de Nova Friburgo que se tornou um ponto de convergência e referência educacional e cultural de inúmeras cidades do Norte fluminense. Vamos nos limitar a um único exemplo que serve de parâmetro para outros municípios. Valão do Barro, distrito de São Sebastião do Alto, foi uma cidade próspera no século XIX. A revista Singra, encartada no jornal Correio da Manhã, descreve sobre essa cidade com um passado áureo e que depois perdeu toda a sua importância. E por falar em áureo, o ouro foi uma das razões da existência de Valão do Barro.

São Sebastião do Alto foi desbravada em 1770, com a chegada de diversos aventureiros às margens dos rios Grande, Negro, Macuco e afluentes, atraídos pela febre do ouro. Nos primeiros tempos, além de lutarem contra a natureza hostil, esses aventureiros ainda tiveram que enfrentar os índios coroados e goitacazes, senhores da região. O vice-rei Dom Luis de Vasconcelos e Sousa, ao ter notícia da existência desses garimpeiros em terras altenses, por volta de 1787, tomou providências para resguardar os interesses da Fazenda Real, enviando uma tropa militar à região. Entretanto, seus enviados verificaram que os aventureiros haviam esgotado os principais filões auríferos, não compensando mais a sua exploração. Muitos garimpeiros, já diante da incerteza da garimpagem, passaram a dedicar-se à lavoura do café e a criação. Surgiram inúmeras e prósperas fazendas de café na região devido a transferência do capital proveniente da lavra de ouro, a exemplo da Fazenda Monte Verde.

No planalto da serra “Deus-me-livre”, ponto obrigatório de passagem das tropas que se dirigiam a Macaé, procedentes de Cantagalo e até de Minas Gerais, surgia em 1840, o arraial de São Sebastião do Alto. Seu progresso foi rápido, sendo elevado à categoria de curato em 1852, e três anos depois já se tornava freguesia. Vivia sua época de esplendor, com latifúndios baseados na mão-de-obra escrava e na monocultura do café. A região é fértil com diversos rios e ribeirões lhes banhando as terras. Luiz Fernando Folly nos informa que Francisco Clemente Pinto, irmão do Primeiro Barão de Nova Friburgo, Comendador da Imperial Ordem de N.S.Jesus Cristo e Oficial da Imperial Ordem da Rosa, possuía fazendas em Itaocara, Ibipeba, Pedra Lisa, Valão de Barro, entre outras.

O fim da escravidão deixou, no entanto, as fazendas desertas e é nesse momento que alguns imigrantes italianos foram cooptados para substituir a mão de obra escrava. Mas São Sebastião do Alto não se reergueu, pois a estrada de ferro passava longe das fazendas e o sistema de tropas de mulas para transporte do café tornava sua produção não competitiva. Tivessem os trilhos de Macuco se estendido até Valão do Barro sua história seria outra. Assim, muitos fazendeiros trocaram suas atividades e passaram então para outro ramo: a pecuária. Em razão de sua decadência, somente muito tarde São Sebastião do Alto foi erguido à categoria de cidade, em 27 de dezembro de 1929. Transcorridos muitos anos, em 1953, Valão do Barro ainda apresentava aspecto colonial. Quando viajamos pelo interior fluminense, devemos ficar atentos para o fato de que atualmente muitas cidades pequenas, decadentes, “cidades mortas” como quer Monteiro Lobato, viveram fase de esplendor no passado. Valão do Barro, hoje um remoto lugarejo, é um exemplo de cidade sobre o qual passamos e sequer nos damos conta de sua importância no passado, visto que guarda muito pouca permanência de seu passado glorioso.

Agradeço a César Lívio pelo fornecimento das fontes para realização dessa matéria.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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