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Amparo: refúgio de um traidor
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
Amparo, 4° distrito de Nova Friburgo, foi outrora conhecida como a “Amparo dos Inconfidentes”, já que teria sua fundação sido iniciada por um inconfidente, camarada de Tiradentes. No entanto, na realidade, Amparo foi o refúgio de um traidor, delator de Tiradentes. Em 30 de novembro de 1938, no salão da escola estadual de Amparo, sob a presidência de Dante Laginestra, diversos moradores da localidade reuniram-se para definir a justificativa do nome “Amparo” ao respectivo distrito. O depoimento mais esperado era o do patriarca da localidade, Eugênio Gripp, na ocasião com 78 anos de idade e residente na região desde 1860, ano em que nascera. O provecto Eugênio Gripp declarou que o nome “Amparo” já era dado à localidade desde a sua infância, e por ouvir dizer, essa denominação vinha desde a Inconfidência Mineira. Segundo ele, o sargento Jerônimo de Castro e Souza era compadre e companheiro de Tiradentes na conspiração. Jerônimo, com receio de ser preso, fugiu para Cantagalo e posteriormente obteve uma sesmaria (terras), onde hoje é Amparo, construindo uma moradia e uma olaria, no qual ainda haviam vestígios. A denominação “amparo” foi dada pelo próprio Jerônimo, que se julgava livre, “amparado” das perseguições contra os inconfidentes. Reza a tradição que ele disse à família: “estamos amparados” e crismou o seu novo domicílio de Amparo. Conforme Eugênio Gripp, esses fatos lhe foram narrados por Higgina de Castro Toledo, filha de José de Castro e neta de Jerônimo de Castro e Souza. Estava criado o mito de origem.
Ainda de acordo com a tradição oral, Jerônimo de Castro e Souza era oficial do exército colonial, exercendo a função de cartógrafo em Minas Gerais ao tempo da insurreição. Abraçara a causa dos inconfidentes e participara da trama revolucionária. Durante a devassa (processo), ficou detido na prisão da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Como não havia provas para uma condenação, foi libertado, e desde então, embrenhou-se pelo interior da província fluminense indo parar onde hoje é Amparo, nome dado por ele por ter sido o “amparo” das vicissitudes e perseguições. No entanto, há quem afirme que Jerônimo foi um delator de Tiradentes, beneficiado com sesmarias pela Coroa Portuguesa em razão de sua delação. Mirtarístides de Toledo Piza, membro da Academia Fluminense de Letras, classifica Jerônimo de Castro e Souza como um “falso inconfidente”, um ignominioso traidor da pátria brasileira. Piza vê os românticos rasgos de heroicidade de Jerônimo como uma lenda. Pesquisando os “Autos da Devassa da Inconfidência Mineira”, Piza desconstrói o herói de Amparo provando que ele foi um traidor. Segundo Piza, Jerônimo de Castro e Souza era português, casado e alferes do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Capitania do Rio de Janeiro, onde nascera e tinha domicílio. De acordo com os autos, Jerônimo foi delator de Tiradentes e diante do desembargador nomeado para a devassa, denunciou Tiradentes, e como prêmio pela delação, foi nomeado 1° tabelião da Vila de Cantagalo, tomando posse em 8 de outubro de 1815. Anos depois, mudou-se para o Morro Queimado e de acordo com Piza, “não foi para livrar-se das perseguições governamentais da época, mas, talvez, para esquecer o seu gesto ignominioso”. O depoimento de Jerônimo de Castro e Souza consta nos “Autos de Devassa da Inconfidência Mineira”—publicação autorizada pelo doc. nº 756-A, de 21 de abril de 1936 - Vol. IV, Rio de Janeiro, 1936, Ministério da Educação, Biblioteca Nacional, pp. 29 a 101. De acordo com os defensores dessa tese, Amparo foi o “Refúgio” de um traidor e como tal deveria ser denominada a localidade, e não, o “Amparo” de um inconfidente perseguido pela justiça portuguesa. De acordo com Clélio Erthal, em “Cantagalo, da miragem do ouro ao esplendor do café”, Jerônimo de Castro e Souza teria recebido o cargo de tabelião na vila de Cantagalo, como recompensa pela delação que prestou à Coroa Portuguesa. Em razão disso, fora sempre hostilizado pelos habitantes locais, vindo a refugiar-se no recanto por ele mesmo denominado de “amparo”, nas cabeceiras do Ribeirão de São José. A matéria “Um falso inconfidente”, de Mirtaristides de Toledo Piza, não deixa dúvidas de que Jerônimo foi um delator. Mas Jerônimo conseguiu que os moradores da Vila de Nova Friburgo acreditassem em sua versão de inconfidente perseguido e, segundo relatos, um de seus filhos foi vereador e outro juiz de paz, o que denota que tinham prestígio no município.
Em função das provas contra Jerônimo nos “Autos da Devassa da Inconfidência Mineira”, uma lei estadual de 641, de 15 de dezembro de 1938, modificou a denominação de Amparo para Refúgio. O povo de Amparo protestou veementemente! Diante da pressão dos moradores de Amparo, uma Resolução de n°220, de 6 de abril de 1953, do prefeito municipal José Eugênio Muller, restabeleceu o nome de Amparo, em lugar de “Refúgio”. Igualmente a Assembleia Legislativa do Estado, em 22 de julho de 1957, ratificou o nome de Amparo como denominação do quarto distrito de Nova Friburgo. “Amparo” de um inconfidente ou “Refúgio” de um traidor? O triângulo, símbolo dos inconfidentes, faz parte do brasão de armas do distrito de Amparo, o que prova que será sempre difícil destruir a força criadora do mito de origem.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “Histórias e Memória”.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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