Agora é lei: Nova Friburgo é Cidade Real

quinta-feira, 29 de outubro de 2015
Foto de capa
Nova Friburgo, por Hermann Burmeister

Como surgiam as vilas no Brasil? Quando o número de latifúndios era significativo numa determinada região, o governo ordenava a criação de vilas com a finalidade de levar justiça à ela através das Câmaras Municipais. Nova Friburgo surge desmembrando-se de Cantagalo, que em 1814 recebera o status de vila, igualmente desmembrada do termo de Santo Antônio de Sá, hoje Itaboraí, entre outros municípios. Mas Cantagalo tinha lá sua justificativa para ter o status de vila. Recebera uma estrutura administrativa para disciplinar o garimpo do ouro de aluvião extraído de seus rios. Já no caso de Nova Friburgo, a princípio, o número de fazendeiros instalados na região não justificaria a criação de uma vila. Porém, surgiu a possibilidade da instalação de um núcleo colonial de suíços, uma iniciativa embrionária do que viria a ser posteriormente uma política pública do governo geral: o incentivo da imigração de europeus para trabalhar na lavoura cafeeira como colonos. Daí surgiu a necessidade de se criar uma vila para confluência dessa população dispersa e para ser um suporte administrativo do Núcleo Colonial dos suíços. Não obstante o Núcleo Colonial ter administração própria e autônoma, a instalação da vila se fez necessária no entender do governo geral. E daí surgiu Nova Friburgo. Como Petrópolis, são vilas nascidas “artificialmente”, de forma casuísta, não em razão de uma atividade econômica que normalmente justificaria o surgimento dela. No passado, os povoados passavam pelo processo inicial de “Capela”, com a instalação de uma modesta igreja para os ofícios religiosos e suporte espiritual. O segundo estágio é o “Curato” com a presença de um Cura, eclesiástico que passa a fazer os registros civis de casamento, testamento e de óbito. Aumentando a população passa a ser “Freguesia”, e por fim, “Vila”, se a demografia e o fator econômico forem expressivos. Nova Friburgo pulou todas essas etapas para que se desse suporte ao Núcleo Colonial dos suíços.  

Costuma-se divulgar na imprensa local que Nova Friburgo surgiu de um decreto real, como se fosse um diferencial de outras cidades. Mas nos parece que todas as vilas nascem igualmente de um decreto real, pois a administração portuguesa é caracterizada pela centralização do poder. Por que foi aprovado pelo legislativo estadual uma lei que torna Nova Friburgo uma cidade real? Justificativa: foi porque o rei D. João VI decretou que esse nosso torrão natal fosse desmembrado de Cantagalo e se transformasse em vila. O Rei decretou e se o decreto foi real, Nova Friburgo é uma cidade real. É essa a justificativa da lei. Porém, como dito antes, todo povoado que recebia o status de vila no Brasil Colonial dependia notadamente de um decreto do rei. Conhecendo a centralização administrativa que sempre caracterizou a Metrópole, toda vila levava a assinatura real.

Não vejo nenhuma utilidade nessa lei. O mito de origem, a invenção da tradição são conceitos fartamente explorados pelos historiadores e Nova Friburgo se enquadra nesses conceitos. Suíça Brasileira, Paraíso Capitalista e agora Cidade Real, estão sempre buscando uma representação. Possivelmente “real” buscando-se uma analogia com Petrópolis, considerada “cidade imperial”, por abrigar a Corte durante o verão, no Segundo Reinado. A família real e sua entourage fugiam das epidemias de febre amarela no Rio de Janeiro se deslocando para essa cidade serrana. A comparação com Petrópolis é antiga. O periódico O Friburguense, no fim do século 19, denominava Nova Friburgo de “princesinha” da serra. Voltando à questão do benefício dessa lei, argumenta-se que isso aumentará o turismo na cidade. O problema é dar uma volta imensa para explicar o por quê de Nova Friburgo ser uma cidade real.  Nada nos remete a tal representação. Bem, aguardemos o “beija-mão” dos turistas.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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