A transumância de fim de ano

quarta-feira, 07 de janeiro de 2015

O fim do ano chega e já ocorre a transumância da população friburguense para a Região dos Lagos. Assim como na Europa o gado se desloca por ocasião da mudança de estação, buscando regiões mais quentes, fenômeno conhecido como transumância, o mesmo ocorre com os friburguenses que seguem rumo às praias da costa marítima fluminense. No entanto, o gado busca o conforto de regiões quentes, ao contrário da população friburguense, que se submete ao desconforto do tórrido verão tropical da região oceânica. Buscando uma explicação sociológica desse fenômeno, transcrevo um diálogo que reflete a mentalidade e o inconsciente coletivo dos friburguenses de um modo geral. Um conhecido meu foi indagado por amigos sobre onde ele passaria as festas de fim de ano. Ele, já calejado de passar esse período na Região dos Lagos, com cidades pejadas que quase triplicam devido a uma população adventícia, importando em desconforto geral, assim respondeu: "Em Nova Friburgo mesmo, não vou viajar”. Uma torrente de exclamações e interrogações choveu sobre ele, com deboches e apupos, exortando-o a mudar de ideia, o que o deixou assaz constrangido. Ele me disse que teve a sensação de que quem opta por permanecer em Nova Friburgo parece um marginalizado, um outsider, um miserável decadente que não recebeu o convite de ninguém para as festas, e por isso, condenado a vagar na danação do fantasma de Nova Friburgo. Alma errante, irá flanar pela cidade que nada oferece. Mas ele, que conhece bem como fica a Região dos Lagos nessa época do ano, não se deixou quedar e permaneceu em Nova Friburgo. Discutimos essa questão da transumância longamente. Viajar pra quê? Cidades sem infraestrutura para receber a população adventícia, com falta d’água, péssimos serviços, preços dos produtos da alimentação exorbitantes e um trololó de reclamações. Por outro lado, ele observou que via turistas vagarem por Nova Friburgo sem ter o que fazer. O comércio encontrava-se quase que totalmente fechado, praça sem flores, bancos rotos e caindo aos pedaços, um show modorrento, um circo de barracas toscas a enfear ainda mais o centro da cidade. O único atrativo de Nova Friburgo: o seu clima. Como bem disse Antônio Lo Bicanco na longevidade de seus 99 anos de idade, "...o nosso clima, só Deus quem tira.” Sábias palavras de quem se lamenta de uma época em que a Praça Getúlio Vargas era florida, a Praça do Suspiro tinha o encanto de seus lagos, um tempo em que o turista permanecia por meses em Nova Friburgo. Era chamado de veranista, por permanecer todo o verão na cidade serrana. Atualmente, o turista se limita ao fim de semana. 

Nova Friburgo nesse fim de ano teve lá as suas mazelas. O centro da cidade não resiste a uma chuva forte e fica alagado. Nesse aspecto, o velho São das Bengalas está isento de culpa. São os bueiros entupidos que impedem a fluxo de água para as galerias, transbordando. Corre à boca pequena que em Lumiar as pousadas tiveram que dispensar os hóspedes por falta d’água. Não há comprovação desse fato, talvez intriga de um desafeto da Região dos Lagos cansado de ouvir reclamação dos friburguenses da falta de água em sua região. Essa dialética entre o mar e a serra, essa transumância de um ponto a outro, essa mudança de habitat é fenômeno antigo em Nova Friburgo. A propósito, já houve no passado tensão entre os prefeitos de Nova Friburgo e de Rio das Ostras. O primeiro declarou ser contrário a estrada Serramar, pois apenas beneficiaria Rio das Ostras, já que o movimento turístico era uma via de mão única, ou seja, somente os friburguenses veraneavam naquele município, não ocorrendo a contrapartida. O segundo retrucou dizendo que os friburguenses pouco deixavam de numerário na cidade, pois eram turistas farofeiros que traziam os alimentos de seu torrão natal e tudo que era necessário, pouco consumindo na cidade. Rusgas à parte, a estrada veio. Porém, está comprovado que de um lado os municípios da região oceânica não possuem infraestrutura para abrigar a população adventícia. De outro, escapa aos dirigentes da solitária cidade serrana promover os passeios por seus arredores, no passado fausto dos tourists, termo tão recente em nosso vernáculo que provavelmente era falado no idioma francês. Como equacionar? Essa é uma resposta que o poder público deve aos seus milhares de eleitores. 


Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de

diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”


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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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