A Terra dos Cravos - Um inquérito sobre Nova Friburgo - 26 de janeiro 2012

sexta-feira, 06 de abril de 2012

Parte III

Na matéria de hoje, continua a crônica de Arthur Guimarães sobre Nova Friburgo no início do século XX, que nos legou interessantes informações sobre o cotidiano da cidade. Guimarães ficou estarrecido com a promiscuidade dos cortiços no centro da cidade e igualmente com a quantidade de mendigos perambulando pelas ruas. Descreve o bairro operário da Vilage de Cantagalo onde reinava tranquilidade entre as famílias, não havendo casos de rixas. Ainda segundo ele, a paz só era interrompida pela garotada jogando football na Praça Primeiro de Março. Nesse bairro das classes populares, famílias se amontoavam nas toscas residências, variando entre dez a vinte pessoas vivendo sob o mesmo teto. Mas continuemos narrando a crônica de Guimarães:

“Pelo regime comunitário, só um, o chefe, trabalha para todos, com raras exceções. Qual a alimentação [refere-se aos friburguenses]? As famílias medianas, pobres, têm a seguinte: feijão, canjiquinha (milho picado), angu, couve, batata, aipim, inhame, carne-seca (nem todas) e café com pão.(...) No nosso interior existe, sem dúvida, bem maior variedade alimentícia. A farinha de mandioca, o porco, a galinha, verduras, e à sobremesa, frutas entre a burguesia, notadamente, e nas classes médias. Leite e ovos são de gasto diário nessas classes. Por mostrar, no entanto, qual o grau de desorganização do trabalho no Brasil, registre-se que os melões, caquis, as uvas, os marmelos, os pêssegos, as jabuticabas, são vendidos em Friburgo pelos preços do Rio”.

Possivelmente, o cronista fez essa crítica em virtude destas frutas serem produzidas em Nova Friburgo e deveriam, por conseguinte, ser mais baratas do que no Rio de Janeiro. Prossegue:

“Com exceção de meia dúzia de jardins, tratados a capricho e com variedades de flores, a maioria é pobre e descuidada. Coisa tanto mais digna de reparo, quando Friburgo é a terra dos cravos e das rosas primorosas. Azaleias, fúcsias, magnólias, violetas, crisântemos, toda a gama ornamental. A camélia, que eu desejava ver em todos os jardins, as hortênsias encantadoras de Petrópolis, só em raros canteiros são cultivadas.(...) Numa visita aos dois cemitérios locais, o público e o protestante, tive ensejo de ver nas lápides a predominância de nomes estrangeiros, tanto num como no outro. O protestante está escondido e não tem, até a presente, a conservação necessária. À entrada existe um jazigo, antigo, com a seguinte inscrição: Alexandre Andréa. Attaché à la legation de Russie au Brésil. Ao perguntar quem fora, inteligente friburguense respondeu-me: um singular cavaleiro que, vindo a Friburgo, aqui achou a morte n’um duelo, o primeiro e último da montanha. Nada soube dizer-me acerca da figura diplomática, deixando minha imaginação arquitetar romances amorosos. Que foi?”.

Este túmulo está até hoje em evidência no cemitério dos luteranos e há o desenho de uma caveira, semelhante ao símbolo dos piratas, em sua lápide. A seguir, o cronista se refere ao comércio de Nova Friburgo, dando ênfase ao impulso dado à economia na ocasião da edificação do Colégio Anchieta, no início do século XX:

“O comércio concentra-se, na maioria, na Praça Quinze de Novembro [Getúlio Vargas] e na Rua Gal. Argolo [Alberto Braune], caminho da estação. Espraia-se, porém, por toda a cidade. As vendas insinuam-se por entre as moradias. O mesmo acontece às quitandas. Aquelas, são ponto de gente desocupada. Há sem dúvida na praça e Rua Gal. Argolo, estabelecimento de certo vulto. (...) Mercadejam forte. A loja mais importante negocia em fazendas, armarinhos, secos e molhados, quinquilharias, louças e ferragens. Teve surto com a edificação do Colégio Anchieta, na qual o fundador da loja, o construtor espanhol Francisco Gomes Vidal, tomou parte saliente. Pagava aos operários na sua casa comercial e lhes obteve a freguesia, simultaneamente, com a proteção dos padres. Para imaginar o fervor religioso e a estima por ele granjeada no seio dos jesuítas, basta ler-lhe opúsculo existente sobre a fundação do colégio, no qual são rendidas homenagens ao humilde, inteligente e esforçado construtor, cujo retrato figura num dos salões da entrada. (...) O Colégio Anchieta, casa de Deus, onde comércio e indústria não penetram, é claro, quantos benefícios morais e materiais têm proporcionado ao lugar! A vida ali criada, intensa, repercute cá fora, espraia-se, dilata-se e, quer pela caridade, quer pelos empregos dados, o colégio tornou-se o maior propulsor dos progressos locais...”.

Guimarães relaciona o comércio de portugueses, negociando “em grosso”, e seus armazéns em prédios acaçapados. Quanto aos sírios, incontestavelmente dominavam o comércio de fazendas, armarinhos e modas: “São muitas, e todas afreguezadas, as casas sírias na cidade. Devem expansão aos segredos de viver gastando o mínimo possível e suportando o máximo desconforto. (...) Cabem em cheio à colônia italiana: alfaiatarias, relojoarias, sapatarias, funilarias, açougues e a venda ambulante de jornais, virtualmente seu monopólio.” Além do comércio de joias e relógios, a venda de mármores e os serviços de carpintaria e carroçaria eram igualmente de italianos. Segundo Guimarães, “possuem os italianos do povo as mesmas qualidades de parcimônia do sírio. São inteligentes, conquanto incultos”. As padarias eram geralmente de italianos e de portugueses. Algumas com entregador de carrocinha e filiais. As barbearias eram na maioria de brasileiros. Já o pequeno comércio de verduras era partilhado por italianos, brasileiros brancos, pretos e mulatos. No comércio ambulante, levavam suas mercadorias em carrinhos, em tabuleiros ou samburás: “Um vendedor italiano, idoso, carrega os balaios cantarolando, com voz de barítono, sem ofender os ouvidos, vários trechos de óperas”.

Na próxima semana, a última parte: “Graças aos alemães, Friburgo será industrial”.

TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.