A prisão e fuga dos mercenários - A imigração Alemã - Parte 1 - 10 de março 2011

domingo, 31 de julho de 2011

Era o dia 12 de fevereiro de 1825, quando um grupo de cinco soldados mercenários alemães, acorrentados uns aos outros, passou pela pacata vila de Nova Friburgo, despertando a atenção dos moradores. Acusados de deserção e presos em Cantagalo, eram transportados por praças sob o comando de um sargento, que os conduzia ao Rio de Janeiro. Na vila, fizeram uma pequena parada no quartel e curiosamente a partir de então passaram a ser seguidos por um colono alemão chamado Heinrich Bourgignon. De repente, ocorre algo estranho quando o grupo passa pela “vilagem dos alemães”. O sargento que comandava o grupo retira as correntes dos mercenários, que debandaram logo em seguida. Bourgignon então tem a sua prisão decretada por um praça e um verdadeiro imbróglio se arma na pacata vila de Nova Friburgo. O que teria ocorrido naquela ocasião? Para esclarecer os fatos foi realizado um Termo de Inquirição conduzido pelo capitão-mor de Cantagalo, Manuel Vieira de Souza, com a oitiva de duas testemunhas. O primeiro depoimento foi de José Francisco de Azevedo, homem pardo, 29 anos, carcereiro da cadeia de Cantagalo e condutor de um outro grupo de presos. Sendo-lhe perguntado sobre a fuga dos cinco desertores, assim declarou: “...disse ter presenciado, de longe a foragida, por estar de guarda aos outros presos que iam em diferentes correntes e que, do lugar onde estava, vira o sargento encarregado dos presos entrar com os desertores em uma casa e logo que saiu com eles, lhes meteu a chave no cadeado da corrente. E os presos, vendo que estava o cadeado aberto, fugiram. E antes de ele sargento ter aberto o cadeado, tanto ele, testemunha, como os outros condutores, gritaram em altas e inteligíveis vozes que, em nome de Sua Majestade Imperial, requeriam que não abrisse ele, sargento, o cadeado(...) a causa de o terem prendido [refere-se a Bourgignon] foi por ele, colono, acompanhar os presos do quartel até aquela Vilage e que assistira sempre[ilegível] os presos até a soltura que fez o dito sargento (...) ele testemunha, desconfiando que ele tinha ajudado a dar soltura aos presos, foi prendê-lo à ordem de Sua Majestade Imperial.” No segundo depoimento, Eusébio Baptista Coelho, homem preto, 30 anos, pedreiro, natural de Cantagalo e condutor dos mercenários ao Rio de Janeiro, declarou ao capitão-mor: “...ele, testemunha, veio sempre desde Cantagalo até o momento da fugida dos presos feito guarda dos desertores e que, por várias vezes, o sargento-comandante, encarregado daquela leva, os tinha soltado para mudar os braços e nunca os presos fizeram a mais pequena resistência para fugirem e logo que eles chegaram ao quartel desta vila, introduziu-se um dos colonos [Bourgignon] a falar sempre com os presos e este seguiu os presos, do quartel até a Vilage de Cima e logo que ali chegaram um dos presos desertores, não quis dali passar dizendo que não podia ir descalço, e tendo o sargento deixado entrar em uma casa para calçar uns sapatos, onde estiveram pouco tempo e depois de terem saído para fora da porta, principiaram a rogar ao sargento que lhes mudasse as correntes para o outro braço...”.

O depoimento das duas testemunhas deixa uma margem de dúvidas se teria havido conluio ou não entre o sargento e o colono alemão Bourgignon. Heinrich Bourgignon, 23 anos, era natural de Hessen e chegou ao Brasil em 1824, no navio Argus, como mercenário. Porém, não serviu nas Forças Armadas. Era comum se corromper as autoridades brasileiras, conseguindo a isenção do serviço militar e ficando enquadrado na classe de colono. Foi o que provavelmente ocorreu com Bourgignon. Localizamos o nome dele no site “Acervo Design - os Alemães Pioneiros de Nova Friburgo”, constando nesse documento uma espécie de ficha policial de Heinrich Bourgignon, que o descrevia como “hábil rapaz, mas precisa ser vigiado”. Coincidentemente, Bourgignon viajava muito a Cantagalo, logo, deve ter acoitado seus colegas mercenários naquelas paragens. Teria havido negociação para facilitar a fuga dos soldados entre o sargento e Bourgignon? Era natural a camaradagem entre os soldados mercenários e Bourgignon era um deles. Afinal, a punição, à época, para os desertores, compreendia na aplicação da pena em torno de 200 chibatadas, mais as despesas que arcavam de sua própria captura. Considerando que Bourgignon provavelmente se utilizou de suborno para não servir nas Forças Armadas, pode ter subornado igualmente o sargento, responsável pela escolta. Por outro lado, Bourgignon era descrito como um homem “hábil” e pode ter ludibriado o sargento, que ingenuamente mais uma vez abriu as correntes para mudá-las de posição no braço dos prisioneiros, como vinha fazendo desde Cantagalo. Esse Termo de Inquirição encontra-se na caixa 08 do Centro de Documentação D. João VI, mas não foi localizada a conclusão desse inquérito. No entanto, não nos interessa se o sargento e Bourgignon estavam mancomunados ou não. A pergunta mais intrigante nesse episódio é a seguinte: Quem eram esses mercenários alemães que fugiram para Cantagalo? De onde desertaram e por quê? Por que o Brasil teria mercenários alemães nas Forças Armadas, no Primeiro Reinado? É sobre essas questões que narraremos, em dez matérias, um dos mais interessantes episódios de nossa história envolvendo soldados e colonos germanos, que culminou com a vinda, em 1824, de imigrantes alemães a Nova Friburgo. Na próxima semana, a matéria “O Imposto de Sangue”.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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