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A praça dos eucaliptos: um cenário de guerra
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015
Nova Friburgo tem duas tragédias em sua história: a primeira, ocorrida no ano de 2011, em que chuvas torrenciais e incessantes associadas a um tremor de terra provocaram desabamentos de morros matando centenas de pessoas, além de provocar impactantes danos materiais em todo o município. A segunda tragédia, a destruição da Praça Getúlio Vargas, com a derrubada dos mais que centenários eucaliptos. A primeira, um fenômeno da natureza, a segunda, provocada pelo gesto irracional do Homem. Em certa ocasião, o ex-prefeito Heródoto Bento de Mello me confidenciou que o seu maior arrependimento foi de não ter impedido a destruição do teatro D. Eugênia, para dar lugar a um edifício residencial. Por certo, ficou conhecido na história como o responsável pela extinção daquele teatro do século XIX. O atual prefeito Rogério Cabral igualmente entrou na história como um destruidor do patrimônio histórico: derrubou manu militari, sob protesto da população, os eucaliptos da histórica Praça dos Eucaliptos, como era chamada pelo vulgo no passado. Esse episódio ganhou destaque até na mídia internacional, para se ter uma ideia da dimensão de tal ato administrativo.
Esses eucaliptos tiveram no passado uma função utilitária de drenar o solo pantanoso e ainda purificar o ar combatendo os supostos miasmas que se desprendiam do solo. Na ocasião, acreditava-se que doenças como a febre amarela vinham do ar, dos miasmas, e por isso incentivava-se o plantio de árvores para purificar a atmosfera. Escolheram a espécie do Eucalyptus robusta pela crença de que estas árvores trariam o benefício da purificação do ar e drenagem do solo. A Praça dos Eucaliptos acabou ganhando igualmente cores com bougainvilles e flores se espraiando ao seu redor, tornando-se um dos locais mais aprazíveis da cidade. Fontes de água igualmente ganharam espaço nesse delicioso recanto. Grassam nas crônicas dos jornais cariocas matérias que destacam a beleza dessa praça, descrita pelos veranistas como um dos locais mais deliciosos da cidade.
O autor do paisagismo dessa praça é nada menos que Auguste François Marie Glaziou, francês e engenheiro civil pela École Polytechinique D’Angers. A convite de D. Pedro II, em 1858, veio para o Brasil para ocupar o cargo de Diretor Geral das Matas e Jardins na cidade do Rio de Janeiro. O modelo utilizado no paisagismo foi o do jardim romântico, realizado segundo os moldes dos jardins franceses do século XVII. Glaziou igualmente projetou e realizou o jardim da chácara do chalet do Barão de Nova Friburgo, hoje pertencente ao Country Club.
O final do século 19 é caracterizado pela política higienista e de aformoseamento dos espaços públicos. Como Nova Friburgo recebia imenso afluxo de cariocas que fugiam das epidemias de febre amarela no Rio de Janeiro, a Câmara Municipal achou por bem dotar o centro da vila de uma praça nos moldes da política higienista. Foi o médico italiano Carlos Eboli, então vereador, o timoneiro do embelezamento da Praça Getúlio Vargas. Até então a praça servia como mercado e rancho de tropeiros, local de parada das tropas que conduziam café de Cantagalo rumo ao Rio de Janeiro. Eboli tinha um interesse privado: possuía na vila de Nova Friburgo um dos maiores estabelecimentos hidroterápicos do país e um hotel, hoje instalado o C.N.S. das Dores. A praça seria um precioso espaço de lazer aos seus importantes hóspedes. Bernardo Clemente Pinto, o segundo Barão de Nova Friburgo, foi o mecenas dessa praça, investindo 10 contos de réis. Igualmente possuía um solar no seu entorno e se beneficiaria com o embelezamento dela. Foi o responsável pela vinda do famoso Glaziou. Como explicar aos estudiosos e pesquisadores dos jardins de Glaziou que os seus eucaliptos foram covardemente tombados? Uma vergonha para Nova Friburgo!
Essa praça foi tombada pelo Iphan, em 1972, pelo seu conjunto arquitetônico e paisagístico. O laudo dos técnicos da Universidade Estácio de Sá foi uma sentença de morte ao nosso patrimônio histórico. O argumento da segurança dos transeuntes em razão da queda de alguns galhos ou do tombamento de uma árvore é precário. Isso poderia ser solucionado com uma poda constante e monitoramento das árvores. Mas não! Optaram pela derrubada dos mais que centenários eucaliptos. Certamente esse gesto é próprio de quem não respeita o patrimônio histórico. Além do aspecto material existe ainda a imaterialidade que essa praça possui. A meu ver, além da praça constituir patrimônio cultural de natureza material, devido ao seu conjunto arquitetônico, é igualmente imaterial, lugar onde se concentram e se reproduzem as práticas culturais coletivas. Uma miríade de histórias gira em torno dela, como a divisão de classes sociais nas quais suas alamedas eram demarcadas para passeios dos ricos e dos pobres; por onde passavam o trem vassourinha, que varria as moças decentes da praça e os passeios depois do cinema. Essa praça acompanhou os acontecimentos políticos alterando o seu nome conforme os ventos revolucionários: Foi monárquica chamando Praça Princesa Isabel, a seguir republicana, sendo chamada de Praça 15 de Novembro. Com a Revolução de 30, passou a denominar-se de Praça Getúlio Vargas. A tragédia ecológica de 2011 derrubou prédios na cidade, mas os eucaliptos da praça resistiram. Porém, foram tombadas pelas mãos do Homem. Senhor Rogério Cabral, o senhor será reconhecido na história da cidade como o prefeito que destruiu a Praça dos Eucaliptos. Deve ser muito ruim ser você!
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora
de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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