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A instigante história de Nova Friburgo
quinta-feira, 16 de maio de 2013
Nova Friburgo foi uma cidade que surgiu ao acaso. Não fosse a iniciativa do empreendedor Gachet em oferecer à Coroa Portuguesa, recém-instalada no Brasil, colonos suíços para promover o povoamento da nação, esse município não existiria. Era ainda incipiente a política de incentivo à imigração ao Brasil. Vários motivos teriam levado D. João VI a aceitar a proposta de Gachet: a pressão britânica pelo fim da escravidão, o desprezo pela mão de obra do matuto nacional, o branqueamento da população, a necessidade de produção de alimentos para a Corte e o exemplo da América do Norte que abria suas portas à imigração. Diante da pressão britânica pelo fim da escravidão, a adesão da proposta de Gachet não foi mais um projeto para "inglês ver” que o Brasil se encaminhava para introduzir a mão de obra livre? Surge Nova Friburgo, fundada oficialmente em janeiro de 1820, tirando de Cantagalo as terras e de um cantão da Suíça, Fribourg, o nome. Era uma alternativa aos latifúndios e à escravidão. E foi constituída uma colônia de homens livres; livres, mas no cativeiro do Núcleo Colonial que obrigava-os a cultivar em glebas determinadas e a possuir um "passaporte” para se deslocarem.
A Coroa Portuguesa, desejosa de correr atrás do tempo perdido, introduz o branco na sociedade de cara negra já que a emigração de portugueses fora muito inferior a dos africanos, sendo estimada a entrada de três milhões e meio de escravos até a abolição do tráfico. O sangue branco iria dar uma nova feição ao Brasil, fenômeno que se denominou de "branqueamento da população”. Teria D. João VI se encantado com a proposta de Gachet em trazer colonos suíços objetivando utilizá-los como força militar? Os suíços eram notoriamente conhecidos como bons militares pelo seu caráter disciplinado. Historicamente sempre serviram como milicianos em guerras pela Europa. Fazendo uma lucubração, poderíamos supor que a mentalidade atrasada e medieval da Coroa Portuguesa imaginava-se dando feudos aos colonos suíços em troca da fidelidade de cavalaria, fornecendo-lhe militares? Um paradoxo, pois na prática transformaram os suíços em servos exigindo-lhes a corveia, já que foram obrigados a trabalhar em dias da semana nas obras públicas da vila, sob pena de pesadas multas. Quando os colonos se recusaram a trabalhar nas obras da vila, Monsenhor Miranda não se queixou que os suíços não estavam acostumados a corvéia?
E os fazendeiros da recém-criada Cantagalo, como receberam os colonos suíços? A região já era habitada por sesmeiros, beneficiários de sesmarias (latifúndios) que desde o último quartel do século XVIII, vinham recebendo propriedades da Coroa Portuguesa. Por um lado, o estabelecimento do núcleo colonial dos suíços os beneficiou, pois transformou a região dos que tinham propriedades próximas a Nova Friburgo, em vila. Esse status somente era concedido a regiões bem desenvolvidas que justificassem economicamente se transformarem em vila, o que não era o caso dessa região. Por outro lado, a política de assentamento de colonos não era bem vista pelos fazendeiros, por representar uma ameaça ao trabalho escravo. Em Nova Friburgo não deve ter sido diferente. D. João VI não desejaria se indispor com a classe proprietária e mormente com o negócio do tráfico de escravos. Afinal, não foi de um traficante de escravos que recebeu a bela residência na Quinta da Boa Vista para se instalar? Daí talvez o isolamento na serra para não atrair a crítica e a ira dessa classe proprietária, mas não tão distante da Corte de forma que pudesse ser acompanhado o progresso da colônia pela Coroa. Não foi proposital que D. João VI exigisse que o Núcleo Colonial dos suíços fosse autossuficiente e tivesse um médico, um clérigo, um boticário, um veterinário, marceneiros, carpinteiros e oleiros para que não necessitassem recorrer às zonas fora do perímetro da colônia? Por que tal isolamento? A experiência do trabalho livre incomodava tanto assim a classe dominante de senhores de escravos? O isolamento na região serrana, cercados por cadeias de montanhas, nos parece um viveiro no qual se preocuparam mais com a salubridade do clima para os suíços do que com a fertilidade da terra.
E por que assentar os colonos em terras tão inférteis? Por que comprar quatro sesmarias quando as terras devolutas (abandonadas) grassavam na região? Ora, quem não tem um parente ou amigo nessas horas para indicar um bom negócio. Monsenhor Miranda tinha o seu colega eclesiástico e assim o fez, comprando-lhe as terras. O espírito privado sobre o público sempre prevaleceu na história do Brasil e não seria diferente nesse momento. Mas eis que o idealizador do núcleo colonial, D. João VI, por circunstâncias alheias a sua vontade, tem que deixar o Brasil um ano depois de instalada a colônia de suíços. Ficaram órfãos os suíços? No primeiro momento sim, mas D. Pedro I dá continuidade à obra do pai e encontram em José Bonifácio um ferrenho crítico dos latifúndios improdutivos e da escravidão, um aliado. Libertando os suíços do cativeiro das terras inférteis no perímetro colonial, D. Pedro I deu-lhes terras em Macaé de Cima, mais férteis a agricultura. Soltos os grilhões a debandada foi geral e os colonos suíços se dirigem igualmente para as terras mais produtivas de Cantagalo, o que torna essa região, na realidade, a verdadeira tributária do título de "suíça brasileira”. Já brotava em Cantagalo os primeiros ramos de café com indício de riqueza que o ouro verde proporcionaria à região. A morada do mão de luva logo se transformaria na magna Cantagalo, berço dos barões do café fluminense.
Mas Nova Friburgo triunfa. Suas freguesias, com terras mais úberes, prosperam. Lugar de passagem das tropas de mulas que transportavam o café, os tropeiros beneficiam o seu comércio que ali arranchavam. Mas o que daria à vila Nova Friburgo verdadeira prosperidade seria o seu clima salubre, indicado pelos tisiologistas como um remédio natural para a cura da tuberculose, a peste branca, que tanto ceifou vidas no século XIX. E Nova Friburgo vira um lugar de peregrinação daqueles que buscavam a cura dos pulmões. Não foram poucos os ricos proprietários que em busca da cura da tuberculose terminam por se instalar definitivamente na vila. Isso traz-lhe desenvolvimento e prestígio político. E sua instigante história continua, matizada por outros imigrantes como os alemães, italianos e árabes, que somando-se ao sangue português e africano, construíram uma história que hoje fazem 193 anos (e não 195). Parabéns a Nova Friburgo!
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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