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A história do quilombo de Macaé de Cima continua... - 18 de novembro.
Resolvi interromper a programação de matérias que fiz sobre a escravidão em Nova Friburgo, por um motivo louvável. Recebi um comentário do professor de história da UFF e pesquisador sobre a escravidão em Nova Friburgo, professor Jorge Miguel Mayer, e não posso deixar de tornar público ao leitor de A VOZ DA SERRA a posição desse ilustre historiador sobre a história do quilombo de Macaé de Cima.
Fazendo um resumo da matéria da semana passada, descrevi a migração dos colonos suíços do Núcleo dos Colonos para as terras devolutas no Sertão das Cachoeiras do Rio Macaé, local onde havia um quilombo. Contrariando a versão de que houve confronto entre os suíços e os quilombolas, como descreve o historiador Martin Nicoulin, afirmei que, em vez do conflito, houve um acordo entre os suíços e os quilombolas, adquirindo os primeiros as plantações dos escravos fugitivos, que acabaram abandonando a região, deslocando-se rio abaixo.
O professor Jorge Miguel discorda de minha colocação e transcrevo aqui a versão dele sobre esse episódio, para que o leitor conheça outras opiniões sobre o assunto:
“...Tenho me interessado sobre o assunto e buscado algumas fontes. Nunca soube de qualquer quilombo em Macaé de Cima. Existem, sim, referências a quilombo no vale do Macaé, porém muito abaixo. No livro de Nicoulin há a narração de incursões dos suíços no vale do Macaé. Na ocasião um suíço da família Sardemberg teve seu pé atravessado por uma armadilha protetora do suposto quilombo. Nicoulin transcreve uma carta de colono que afirma que os suíços se impuseram aos quilombolas e se apoderaram de suas plantações. Nada amigável, portanto! Há uma outra carta em que desrespeitosamente colonos falam em ir à região do quilombo. Creio que esta informação (ver Nicoulin) deve ser levada em conta e confrontada com a informação transcrita de que houve uma negociação amigável. Fica difícil aceitar o fato dos suíços e os africanos estarem irmanados por um sentimento comum: longe de seu torrão natal, em busca da sobrevivência em terras estrangeiras. Não vejo qualquer fundamento para esta pretensa aliança que contrasta com a postura transcrita por Nicoulin. Você coloca esta versão como uma possibilidade. Acho difícil. Embora houvesse fazendas na área, havia também muitas terras sem definição de propriedade. Não há comprovação, nem da aliança nem de conflitos, com fazendeiros. Pode-se supor que os quilombolas se defendiam contra os fazendeiros, o Estado e todo aquele que pretendia tomar suas terras. (...) Disponho também das informações sobre quilombos nas nascentes do Macabu e em Trajano de Morais. Enfim, próximo à Região Serrana, havia quilombos. Há que se estudar as relações com a sociedade local bem como buscar informações sobre as dimensões destes quilombos, que, como se sabe, não eram todos iguais.”
Como vimos, o professor Jorge Miguel, um estudioso sobre a escravidão em nossa região, discorda da composição entre suíços e quilombolas. Mas qual foi a fonte que fundamentou a minha versão? Trata-se de uma fonte extraída do livro A Imigração Suíça no Brasil, de Armindo Müller, sobre as memórias do suíço Hecht, que veio para Nova Friburgo com os demais colonos no início do século XIX. No entanto, a perda de um de seus dois filhos em Nova Friburgo o desestruturou muito, e somado a outras dificuldades, acabou retornando para a Suíça. O suíço Hecht, ao retornar ao seu país, escreveu em suas memórias fatos interessantes do seu cotidiano em Nova Friburgo e um deles refere-se a esse episódio de migração dos colonos suíços para o Sertão das Cachoeiras do Rio Macaé e seu contato com os quilombolas. Hecht deixou o seguinte registro em suas memórias:
“...haviam estabelecido negros foragidos com maravilhosas plantações. O lugar, a localização e as plantações tanto agradaram, que iniciaram conversas com os negros para adquiri-las (...) O líder dos negros, que andava com uma espada desembainhada, falou assim: ‘se vocês suíços fossem lavradores locais, teríamos entrado em luta com vocês; de forma alguma nos teríamos deixado aprisionar’. (...) Com pouco dinheiro os colonos suíços compraram as plantações e os negros se mudaram dali. Esse lugar (...) chama-se Macaé...”.
Observem que a força de trabalho valia mais do que a terra propriamente dita, pois foram as “plantações”, e não as “terras”, que foram adquiridas dos quilombolas. É possível que Hecht tenha mascarado em suas memórias os fatos reais, ou seja, que houve realmente um confronto, para passar uma imagem positiva dos suíços? Não podemos descartar essa possibilidade, pois Hecht era um homem muito religioso, e não foram poucos os seus comentários de aversão ao tratamento dado aos escravos no Brasil. Por fim, apenas para esclarecer ao leitor, é muito comum entre os historiadores haver dissensão, ou seja, a divergência sobre determinados fatos, cujo debate só contribui para nos aproximarmos ao máximo da realidade histórica. Por conseguinte, não pude privar o leitor da opinião do eminente pesquisador Jorge Miguel sobre esse episódio. Ao menos, estamos colocando a escravidão dentro da história da Nova Friburgo, pois ainda há quem pergunte: “Mas existiu escravidão em Nova Friburgo?”

Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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