A história do café Java: mais uma lenda em Amparo?

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O coronel Galiano das Neves (1826-1916), um vulto na história política de Nova Friburgo, no século XIX, escolheu as terras férteis de Amparo para o plantio do café, adquirindo a fazenda Cachoeira do Amparo. Essa fazenda encontra-se até hoje na propriedade da família. Terra fértil para o café, a região de Amparo, que fazia parte da Freguesia de São José do Ribeirão, era coberta por cafezais no século XIX e até início do século seguinte, destoando da paisagem atual. Além do mito do “Amparo dos inconfidentes”, como vimos em matéria anterior, surge ainda a história de que teria partido de Amparo a difusão de um tipo de café, o café Java,  por toda a província fluminense, gerando os barões do café. 
Segundo a tradição oral dos habitantes mais antigos de Amparo, Luiz Sardemberg, alemão, estabelecido em Sana de Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, em viagem por Java, na Oceania, adquiriu duas mudas de café, plantando em sua propriedade, quando de seu retorno ao Brasil. No entanto, Sardemberg faleceu sem ver os dois pés de café maduros que trouxera com tanto sacrifício ao Brasil. Deixando dois filhos como herdeiros, um ficava cuidando da propriedade da família e o outro, o mais velho, viajava a negócios. Certa feita, o  mais jovem resolveu construir um viveiro de aves, arrancando os dois pés de café que o pai cultivara e jogou-os em um entulho, para dar lugar ao viveiro. Por um ato da divina Providência, um dos arbustos sobreviveu e continuou brotando, ainda que raquiticamente, sobre o entulho. Quando o primogênito retornou de viagem e procurou pelos pés de café, ralhou com o irmão pelo seu procedimento e correu ao entulho para ver se salvava os pés de café. Como um dos pés brotara, replantou-o, que produziu alguns grãos e fez novas mudas de pés de café. Porém, como fizesse em local impróprio na fazenda, não produziu o resultado desejado e assim não deu muita importância à rubiácea. Certa ocasião, o capitão Augusto José Carlos de Toledo, pernoitando na fazenda dos irmãos Sardemberg, adquiriu uma muda do cafeeiro, plantando-o em seu pomar, em sua propriedade em Amparo. 
Começa a entrar nessa história um colono alemão. Os alemães migraram para Nova Friburgo, em 1824, para ocupar as datas de terras abandonadas pelos suíços e dar um novo incremento e fomento ao Núcleo dos Colonos. Jorge Gripp, filho de Gaspar Gripp (na realidade, o sobrenome original é Grieb), um dos primeiros colonos alemães, ficou atraído pelo arbusto que viu no pomar de Toledo e inteirou-se de onde o adquirira. Curiosamente, Jorge Gripp comprara a fazenda de uma das filhas de Jerônimo Castro Souza, o pseudoinconfidente que fundara Amparo. Jorge Gripp dirigiu-se à fazenda dos conterrâneos irmãos Sardemberg e encomendou sementes da próxima safra. Em data aprazada, Jorge Gripp enviou seu filho Pedro Alberto Gripp, com 8 anos de idade, acompanhado de um escravo, para buscar as desejadas sementes de café na fazenda dos Sardemberg. Jorge Gripp plantou as sementes, fez diversas mudas e os cafeeiros as desenvolveram admiravelmente nas encostas de Amparo, em sua fazenda. 
Bernardo Clemente Pinto, o Conde de Nova Friburgo, soube da proficiência de Jorge Gripp com seus cafeeiros e manifestou desejo de possuir algumas mudas. Gripp logo lhe enviou duas de suas melhores mudas. Bernardo Clemente Pinto foi pessoalmente a Cantagalo quando soube da entrega do mimo, intermediado pelo Conselheiro João Lins Cansanção de Sinimbu, que residia na vila de Nova Friburgo. Ficou tão maravilhado com as mudas de café, que contratou bandas de música que desfilaram conduzindo os pés de café festivamente, em procissão, em estilo barroco, até o palacete do Gavião e diante de convidados, plantou-os ali. O conde imediatamente ordenou ao seu administrador em Nova Friburgo que agradecesse a Jorge Gripp, oferecendo-lhes seus préstimos e consignando que compraria toda a colheita de café de Gripp. 
O café Java foi plantado nas fazendas, em Cantagalo, dos Clemente Pinto (família do barão de Nova Friburgo) e o restante dessa história já conhecemos. Cantagalo tornou-se um dos maiores produtores de café, em meados do século XIX, expandindo o “ouro verde” por todo o vale do Paraíba. Não há comprovação da veracidade desse fato, que é relatado por Honorário Lamblet, neto de Jorge Gripp, transmitido pela tradição oral. Essa é mais interessante passagem desse distrito cercado de lenda e mito em sua história.    

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.