A Fonte do Suspiro geme de dor

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Na semana passada tomei um susto quando vi imagens da obra quase finalizada da Fonte do Suspiro. Como pesquisadora tenho a obrigação de me posicionar, pois nunca vi algo tão bizarro e um descaso absoluto com a história de nossa cidade. Aquela obra foge sobremaneira à fonte original, apresentando igualmente aparência grotesca. Não custou nada aos cofres públicos, por ter sido realizada por um mecenas, mas custou muito caro à história da cidade. Não se está exigindo aqui a restauração de tal fonte com material empregado nos moldes do original, mas no mínimo, criar um "falso histórico”. Pretendeu-se com a obra na Fonte do Suspiro tão somente demonstrar: aqui existiu uma fonte. Não, não reconheço aquela fonte como a Fonte de Suspiro. Trata-se de uma obra tacanha que torna ainda mais trágica a história daquela fonte após o desmoronamento de 2011. 

 A Fonte do Suspiro é uma servidão pública de água que remonta a criação de Nova Friburgo. Nos parece que era originariamente feita de pedra de cantaria em granito. Na história da arquitetura colonial brasileira, pode-se constatar o desaparecimento das obras em cantaria desde o final do século 18. A partir do século 19, tanto os componentes exteriores quanto interiores serão paulatinamente substituídos pela alvenaria de tijolo com relevos moldados em argamassa de cal, gesso e areia. A cantaria tem ampla utilização nos cunhais ou esquinas das edificações, com pedras aparelhadas, lavradas e esquadrejadas. Há um sobrado na Praça Getúlio Vargas, onde se localiza a Pão da Praça, que utiliza esse material. É inclusive o mais antigo imóvel do núcleo urbano, provavelmente de meados do século 19, infelizmente esmaecido pelos fios de eletricidade que cortam a cidade e por placas de propaganda. Para trabalhar no ofício da cantaria necessita-se de uma mão de obra especializada e são raros os profissionais no Brasil. Canteiro é o oficial que corta, desbasta e aparelha as pedras para a construção que irão constituir a cantaria. No passado, se organizavam em confrarias, cujo orago era São José, sob a denominação de pedreiros, ofício atestado por juízes através de cartas de ofício. Em Portugal eram comuns edificações inteiramente em cantaria. No Brasil Colonial ficou restrito a componentes construtivos como cunhais, pilastras, colunas, molduras de portas e janelas, escadarias e obras decorativas em geral. A rocha utilizada na cantaria variou de uma região para outra. Em Minas Gerais foi corrente o uso da pedra sabão e no Rio de Janeiro, o granito. 

A Fonte do Suspiro, doce rumor de água pura e abundante, possuía três bicas denominadas amor, ciúme e saudade. A brisa fagueira nascida de sua garganta ornada de folhagens e flores soprava íntimos idílios de amor e ciúmes, levantando os mais enternecidos suspiros de saudades aos que se ausentavam, assim relatavam as crônicas. Recorriam as suas águas os aflitos que aspiravam saúde procurando no seu frescor e em suas águas taumaturgas reaver a robustez. Possuía fama de consolar os tristes, lenir as dores dos que sofriam e ressuscitar os desenganados. Deixo aqui consignada a minha opinião de que não gostei da reapresentação que fizeram dessa fonte. Não é mais digna dos poetas e dos trovadores. Lamento muito que a história desse manancial de água que foi homenageado no hino da cidade, inspirou poetas, servia de locação para fotografias desde fins do século 19, ponto de convergência da população friburguense para os seus recreios, tenha merecido tal tratamento por parte do poder público.


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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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