A escravidão em Nova Friburgo – Deus lhe dê bons dias, Deus lhe dê boas tardes - 4 de novembro.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

No dia 20 do corrente mês é comemorado o Dia Nacional de Consciência Negra no Brasil. Para tanto, preparei uma série de três matérias sobre a escravidão em Nova Friburgo. Além do ensaio de hoje, incluirão os títulos “A História do Quilombo de Macaé” e “O Mito da Igualdade Racial”.

Nova Friburgo foi criada para ser uma região que se caracterizasse pelo modo de produção predominantemente baseado na mão de obra livre. Chegou-se a ensaiar à época um projeto de lei que proibisse a utilização de mão de obra escrava nas colônias de imigrantes europeus espalhadas pelo Brasil. No projeto, havia ainda um artigo que coibia o próprio imigrante de possuir escravos, mas não se converteu em lei. Num verdadeiro paradoxo ao projeto de D. João VI de instalar colônias de homens livres no país que ficassem à margem das sociedades escravocratas, os próprios colonos suíços se converteram em senhores de escravos assim que sua situação financeira lhes permitiu. Era difícil fugir ao binômio monocultura (café) e escravos, e Nova Friburgo acabou se transformando em uma sociedade escravocrata.

Em 1835, a população livre de Nova Friburgo era de 2.800 indivíduos contra 2.000 escravos. Cinco anos depois, a população livre irá decair e a escrava aumentar. Mas a partir de 1850 a população livre irá se sobrepor à escrava, com 4.187 indivíduos livres contra 2.927 escravos. Em 1856 serão 7.009 livres contra 3.874 cativos. Já em 1872, quando a população de Nova Friburgo atinge a margem de 20.656 habitantes, os escravos representarão 32% da população(6.684) contra uma maioria de livres(13.972), provavelmente em sua maior parte constituída de indivíduos brancos. A população escrava de Nova Friburgo não deixou de crescer até o terceiro quartel do século XIX, mas a partir de 1881, passa a declinar. Diminui-se a importação de cativos negros, substituída pela mão de obra de imigrantes europeus. Segundo os historiadores, a população escrava não aumentava pela reprodução na proporção da população livre pelos seguintes motivos: 1°) Porque, em geral, a importação era de homens e muito pouco de mulheres, pois o que se queria eram braços para lavoura; 2°) porque não se promoviam os casamentos. A família, salvo raras exceções, não existia para os escravos; 3°) Porque dificilmente se cuidava dos filhos devido às próprias condições da escravidão; 4°) As enfermidades, os maus-tratos e o trabalho excessivo inutilizavam, esgotavam e matavam dentro em pouco grande número de escravos. Logo, com a diminuição da importação de escravos e a ausência de reprodução dos mesmos, pode-se afirmar que a população de Nova Friburgo foi se “branqueando” ao longo do século XIX.

Quase não existem fontes no Pró-Memória para se pesquisar sobre a escravidão em Nova Friburgo. Mas às turras os historiadores locais têm produzido alguns artigos e trabalhos, sendo que dois livros se destacam: Presença Negra, de Gioconda Lozada, e Os Crimes da Fazenda Ponte de Tábuas, de Jorge Miguel Mayer e Edson de Castro Lisboa. Ainda quando o objeto de nossa pesquisa não é propriamente a escravidão, como é o meu caso, nos deparamos com alguns documentos no Pró-Memória. Achei um interessante anúncio de um escravo fugitivo na região que nos informa a maneira com que os escravos procuravam se libertar da escravidão. O anúncio publicado em O Friburguense, em 17 de abril de 1881, demonstra perfeitamente a forma de resistência dos escravos e suas estratégias e dissimulações para livrarem-se do cativeiro. O capitão Luciano José Coelho de Magalhães, lavrador de Cantagalo, ofereceu a quantia de 1:000$000 (um conto de réis) a quem capturar, ou a de 500$000 a quem der notícias certas de seu escravo José, pardo, idade entre 28 a 33 anos, marinheiro, cozinheiro, falquejador e serrador. José pertencera a um português que o castigou nas nádegas e nas costas pela “irregularidade de seu proceder”, destacava o anúncio, mas ele tinha o hábito de encobrir essas cicatrizes dizendo que as feridas das costas eram devidas ao “incômodo”(doença) que dava o nome de “fogo selvagem”. José era muito falante e cortês, ainda destacava o anúncio. Tinha a voz fina e quando cumprimentava as pessoas dizia sempre a seguinte frase: “Deus lhe dê bons dias” ou “Deus lhe dê boas tardes”. José, uma das raras “vozes” que possuímos dos escravos, viu na adequação aos padrões de comportamento do branco livre, a cortesia, uma forma de dissimular a sua condição de escravo. Na próxima semana, “A História do Quilombo de Macaé”.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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