A escravidão e a historiografia local

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A escravidão em Nova Friburgo foi durante décadas um território desconhecido nas pesquisas. Hilariamente, já se chegou a argumentar que não houve escravos na cidade, pois o clima seria muito frio e os cativos vestindo tecido leve não suportariam as baixas temperaturas. Porém, a formação social de Nova Friburgo, ainda que tenha sido majoritariamente branca, foi escravocrata como qualquer outra do país. Vamos analisar como anda a historiografia local sobre esse tema. 

Considero oportuno iniciar a respeito das fontes locais para os que não podem recorrer aos arquivos nacional e estadual. Quem desejar fazer uma pesquisa sobre a escravidão, o volume "Cadernos de Cultura”, no Centro de Documentação Dom João VI, reúne um bom material aos iniciados. Alguns documentos da administração "colonial” da vila de Nova Friburgo estão igualmente nessa instituição. Localizamos esse e para exemplificar, segue pequeno trecho de uma petição dirigida ao juiz ordinário: "...Sucede que Francisco [ilegível o sobrenome] se compromete a fazer roçado na terra do suplicante, meretíssimo Sr. juiz ordinário, violentando os escravos do suplicante, ainda com ameaças de pancada, espoliando os escravos do suplicante, por meio de seu feitor João Castela, quando fez frente os escravos do suplicante, dentro dos seus marcos, por cuja causa quer o suplicante embargar ao suplicado (...) e sendo o suplicado obrigado a assinar o termo de não violentar os escravos do suplicante nem por esse, nem pelos seus feitores...”. Vila de Nova Friburgo, 1451822. Cumpre esclarecer que nessa época havia um termo, uma espécie de medida preventiva, no qual as pessoas assinavam se comprometendo a não cometer delitos. 

No que tange às publicações, artigos sobre a escravidão em Nova Friburgo como as do Prof. Jorge Miguel Mayer podem ser encontrados pela internet. Mayer destaca que a omissão da presença e da importância da escravidão no discurso político e histórico correspondeu ao desprezo que as elites devotavam à população negra e indígena. Mayer foi um dos autores do livro "Os crimes da Fazenda Ponte de Tábuas: Um Estudo Sobre a Escravidão em Nova Friburgo no século XIX”. Nessa obra, a voz escrava surge ainda que sob o filtro de um escrivão em um processo criminal. Trata-se de um estudo sobre uma fuga de escravos ocorrida em 1851, de uma antiga fazenda localizada em Conselheiro Paulino, depois da morte de um feitor. Outro livro sobre essa questão é de Gioconda Losada, que pioneiramente abordou a escravidão em Nova Friburgo em "Presença Negra, uma nova abordagem da história de Nova Friburgo”. Um interessante trabalho que tem o valor de destacar os africanos no cotidiano da outrora vila do Morro Queimado. 

Em 1828, menos de uma década desde a fundação da vila, havia na Paróquia de São João Batista de Nova Friburgo 824 colonos, 791 brasileiros e 1272 escravos, segundo levantamento do padre Joye. No Brasil tentou-se proibir, por projeto de lei, que os colonos tivessem escravos, mas o esforço foi em vão. Mayer nos informa que alguns colonos chegaram a ter fazendas de café no Vale do Macaé, como os Marchon em Pedra Riscada e os Jaccoud, em Cascata, utilizando mão de obra escrava. Recordo-me nesse momento da colocação de Martin Nicoulin, autor do livro "A gênese de Nova Friburgo”, que não consegue dar uma explicação, como historiador, de como os primeiros colonos suíços tão cedo se adaptaram ao modo de produção escrava no Brasil. O livro "Teia Serrana” possui igualmente um artigo do historiador Edson Lisboa que trata da escravidão em Nova Friburgo. Finalmente, chamo a atenção para a tese de mestrado de Rodrigo Marreto, "A escravidão velada: a formação de Nova Friburgo na primeira metade do século XIX”, um instigante trabalho que demonstra que é possível a reconstituição da história da escravidão em Nova Friburgo. Podemos, dessa forma, afirmar que esse material de pesquisa já nos dá um aporte para inserirmos os africanos na formação social de Nova Friburgo.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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